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Joaquim Cruz: “Brasil não pode achar que só disputar a Olimpíada já é bom”

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Trinta e um anos se passaram e nenhum outro corredor brasileiro conseguiu chegar onde Joaquim Cruz chegou. É dele ainda a única medalha de ouro que o Brasil conquistou em provas de pistas nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, nos 800 metros rasos.

O brasileiro entrou para a história do esporte ao derrotar o então favorito, o britânico Sebastian Coe (bicampeão olímpico e que viria a se tornar o presidente da Comitê Organizador das Olimpíadas de Londres), de quem ouviu três anos antes a profética frase: “You will become a great champion”. E ele se tornou. Não sem antes, porém, derrotar seus dragões internos, como ele se refere aos medos que o atormentavam durante a carreira, lhe renderam uma úlcera, o levaram à depressão e quase ameaçaram o sonho do pódio.

Quatro anos depois, Joaquim Cruz (Taguatinga, 1963) voltou a enfrentar suas inseguranças, desta vez em Seul, onde conquistou a medalha de prata na mesma prova. Se despediu das Olimpíadas em 1996, em Atlanta, como porta-bandeira do Brasil.

Os dragões enfrentados por ele –principalmente o medo de fracassar– foram expostos em detalhes neste ano, quando foi publicada a primeira edição da biografia do campeão olímpico, intitulada Matador de Dragões (Editora Multiesportes), escrita pelo jornalista Rafael De Marco.

No livro, fica clara a preocupação de Cruz com o preparo emocional dos atletas, tema exaustivamente discutido em 2014, durante a Copa do Mundo, quando os jogadores da Seleção Brasileira foram às lágrimas durante as execuções do hino nacional –acionando um alarme em quem assistia às cenas. Agora, a questão fica mais uma vez em evidência com a proximidade dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, quando os esportistas brasileiros voltam a enfrentar todo o peso que é competir em casa. “Os atletas precisam de um preparo psicológico muito bom. Não pode ser como no futebol, quando choravam e se emocionavam durante o hino nacional.

A emoção deve ser controlada para ser usada no momento certo, porque o campeão é quem tem mais controle emocional”, destacou o campeão olímpico, em entrevista ao EL PAÍS Brasil. “Toda a vida de um atleta é de desafios e superações, 24 horas por dia”.

É difícil imaginar que os atletas olímpicos sintam uma pressão externa semelhante a que os jogadores da Seleção sentiram no ano passado. Afinal, diferentemente do futebol, o Brasil não é considerado o favorito em todas as modalidades. Isso não diminui, no entanto, a expectativa sobre o desempenho dos competidores, independentemente da categoria esportiva.

O espírito competitivo está no DNA de quem compete e, sendo assim, é praticamente impossível que um atleta não sonhe com uma medalha, por menor que sejam as suas chances. E é esse outro ponto que Cruz considera fundamental: para ele, além do treinamento físico adequado, é preciso sonhar alto. Almejar mais que apenas chegar a uma Olimpíada. O foco deve ser o pódio.

“No Brasil, ainda temos a mentalidade de se alegrar apenas com o fato de participar de uma Olimpíada. Não temos uma formação na base, desde cedo, para formar atletas para irem ao pódio e serem vencedores também na vida. Não se valoriza os atletas campeões, como no exterior”, enfatiza.

Apesar de ter se aposentado há quase duas décadas, o corredor nunca se afastou do esporte. Nos Estados Unidos, onde vive, atua como consultor do Comitê Olímpico Americano, no núcleo de paradesporto. Já em Brasília, mantém um instituto que leva o seu nome, cujo foco é descobrir e treinar jovens atletas de famílias de baixa renda. Em agosto, aos 52 anos, voltou às pistas para competir, desta vez como atleta-guia da corredora norte-americana Ivonne Mosquera-Schmidt nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto, disputando os 800 metros e os 1.500m da classe T11 (para paratletas com perda total da visão). “Intenso”, como ele sempre se definiu, e extremamente competitivo –apenas o ouro o interessava– , não conseguiu disfarçar a decepção ao ficar fora do pódio.

Cruz também não esconde um certo ceticismo em relação às chances de medalha nas Olimpíadas de 2016. O atletismo brasileiro vive um mau momento e, atualmente, são poucas as promessas de pódio. Hoje, as maiores apostas são Fabiana Murer, 34 anos, prata no Mundial de Atletismo, em agosto, no salto com vara; Thiago Braz, 21 anos, também do salto com vara, apontado como o maior nome de sua geração, apesar do desempenho decepcionante no Pan; e Juliana Santos, ouro nos 5.000 metros em Toronto. Mesmo assim, ele descarta o tom pessimista.

“Normalmente, o país anfitrião eleva o número de medalhas conquistadas e tem participação acima das edições anteriores. Acredito que o Brasil seguirá esse caminho. Mas o Brasil ainda precisa mudar essa cultura de resultados imediatos”, avalia. Nas pistas, porém, aposta que as medalhas devem vir apenas em 2020. “Acredito que hoje formamos atletas para as Olimpíadas de Tóquio. Esse é o objetivo do Instituto, por exemplo. Um atleta se forma em 10 anos mais ou menos.”

O caminho até lá é longo e, para o atleta, exige uma radical mudança na forma como lidamos com o esporte. Ele lamenta que no Brasil não há valorização nem do esporte, nem dos atletas. “Enquanto não modificarmos a raiz, a forma como o esporte é tratado desde a base, nas escolas e por meio de políticas públicas de qualidade, não teremos a evolução que desejamos”, acredita. “O talento existe, mas quando ele é alinhado ao profissionalismo, os resultados aparecem em todos os sentidos.”

Postado por Radar

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