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Sarney no sebo: A viagem de uma biografia corroída pelas traças

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Em um cair de tarde de 2025, em um sebo próximo à Praça Dr. João Mendes, no coração de São Paulo, um “garimpeiro de sebos”, como são chamados os aficionados por raridades literárias, fez uma descoberta inusitada.

Entre pilhas de livros empoeirados, condenados às traças e ao esquecimento, repousava uma edição da biografia José Sarney: A Biografia (Leya, 2011), escrita pela renomada jornalista Regina Echeverria.

“O achado, porém, não era apenas o livro em si, mas a dedicatória escrita de próprio punho pela autora: “A Nan Souza, com enorme carinho”.

Como uma obra de 624 páginas, lançada com pompa no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, com a presença de figurões da política brasileira, terminou em um sebo popular, no centro de São Paulo, a mais de 2.300 quilômetros de São Luís, Maranhão, terra natal do biografado?

Um evento de peso

A biografia de José Sarney foi um marco editorial. O evento no CCBB reuniu uma constelação de autoridades: ministros, parlamentares, governadores, ex-governadores e magistrados, todos ansiosos para cumprimentar o biografado, ex-presidente da República, e adquirir a obra autografada por Regina Echeverria

Entre os presentes, destacava-se o ex-deputado federal Nan Souza, amigo próximo de Sarney, descrito como “falante e serelepe” por quem estava lá.”

Ele furou a fila para garantir seu exemplar, sob o olhar complacente do ‘velho timoneiro’, como Sarney é conhecido.

A noite foi um sucesso, com filas para autógrafos e elogios à biografia, resultado de cinco anos de pesquisa meticulosa de Echeverria.

A noite foi um sucesso, com filas para autógrafos e elogios à biografia, resultado de cinco anos de pesquisa meticulosa de Echeverria.

A obra traça a vida de Sarney, desde sua juventude como parte de um grupo de poetas maranhenses que sonhava revolucionar a literatura e a política nordestinas, ao lado de nomes como Lago Burnet, Lucy Teixeira, Neiva Moreira e Ferreira Gullar, até sua ascensão como protagonista na política nacional.

O livro aborda momentos importantes, como a transição democrática nos anos 1980 e a crise do Senado em 2009, marcada pela campanha ‘Fora, Sarney!

Com 624 páginas, a biografia é um tomo robusto, um documento histórico sobre um ícone da Velha e da Nova República.

O caminho até o sebo

Quatorze anos após o lançamento, a descoberta do livro em um sebo paulistano levanta indagações. Como um exemplar com uma dedicatória tão pessoal chegou lá?

Nan Souza, o destinatário, é uma figura conhecida nos círculos políticos maranhenses, mas também alvo de polêmicas.

Reportagens antigas, como uma publicada pela revista Veja, sugerem que Souza tinha predileção por “folhas de alface”, gíria para dinheiro, o que pode indicar desinteresse pelo valor sentimental ou intelectual do livro.

Curiosamente, o mesmo sebo abrigava outra obra autografada para Souza: Armário de Palavras – Crônicas 2000/2015, de Joaquim Itapary, reforçando a ideia de que ele não valorizava essas relíquias.

Sebos são verdadeiros portais do tempo, onde livros descartados ganham nova vida nas mãos de colecionadores.

O exemplar de Sarney, encontrado em meio a uma pilha de obras sem classificação, estava precificado a poucos reais, distante do prestígio de sua noite de lançamento.

A biografia de Sarney, escrita em vida, segue um padrão comum entre líderes influentes. Assim como Regina Echeverria, autora de livros sobre Cazuza, Elis Regina e Gonzaguinha, muitos biógrafos enfrentam o desafio de retratar figuras vivas sem ceder a pressões.

Mahatma Gandhi, que escreveu sua própria autobiografia em 1927, e Winston Churchill, retratado por Andrew Roberts em Churchill: Caminhando com o Destino, são exemplos de como biografias podem se tornar documentos históricos.

A jornada do livro sobre a vida de Sarney até o sebo é um lembrete do caráter transitório da fama.

Enquanto o lançamento foi um evento de gala, o destino do exemplar de Nan Souza revela como objetos de valor simbólico podem ser descartados.

Comparado ao resgate do romance Úrsula, da escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, encontrado no Rio de Janeiro mais de um século após sua publicação, o caso de Sarney é menos raro, mas igualmente intrigante.

O que leva alguém a se desfazer de uma biografia tão pessoal? Seria desinteresse, necessidade financeira ou apenas desleixo?

Para os frequentadores de sebos, o achado é uma pequena vitória, uma conexão com o passado. Para a história, é um lembrete de que até as obras mais celebradas podem acabar esquecidas, esperando por mãos curiosas que as resgatem das traças.

A biografia de José Sarney, com sua dedicatória a Nan Souza, agora repousa nas mãos de um novo dono, como um testemunho silencioso de uma era que ainda ecoa na memória brasileira.

*Toni Duarte é jornalista e editor/chefe o Radar-DF, com experiência em análises de tendências políticas e comportamento social da capital federal. Siga o #radarDF

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