O ASSUNTO É

Qual o destino dos “puxadinhos” do Lago Paranoá?

Publicado em

*Por Francisco Cabral

Uma pergunta que muitas pessoas têm feito é sobre o destino das áreas ocupadas irregularmente às margens do Lago Paranoá, aquilo que popularmente se batizou de “grilo chic”.

A questão a respeito das ocupações ilegais nas margens do lago Paranoá é antiga e polêmica. Estas ocupações foram objeto da Ação Civil Pública (ACP) nº 2005.01.1.090580-7, onde o Ministério Público pedia à Justiça a devolução das áreas ocupadas irregularmente pelos donos de terrenos próximos à orla do lago.

A mais recente decisão nesta Ação, prolatada no dia 12 de junho de 2015, determinava ao poder Público a elaboração de um plano ambiental de conservação e uso do entorno do Lago, inclusive nas áreas “ilegalmente assenhoreadas por particulares, que haverão de ser restituídas ao seu proprietário, o povo (…)”.

Em virtude deste último comando do decisium, vários amigos meus têm me perguntado, “o que acontecerá com as construções que estão ali? As pessoas que construíram terão direito à indenização? As construções deverão ser demolidas ou as pessoas que passarem a frequentar a orla do Lago poderão utilizá-las?

Estas são perguntas difíceis de responder no momento, pois depende de quais medidas constarão do plano a ser apresentado pelo GDF e de eventuais novas medidas judiciais a serem intentadas pelos chamados “ocupantes irregulares” das margens do Lago Paranoá, uma vez que o Agravo de Instrumento nº 20150020093367AGI, visando impedir a devolução destas áreas irregularmente ocupadas, interposto pela Associação dos Amigos do Lago Paranoá, teve o provimento negado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) em recente decisão.

A resposta a alguns desses questionamentos apresentados pode ser encontrada no Código Civil, onde o legislador trata dos efeitos da Posse. Lembro que as regras que irei apresentar aqui não se aplicam necessariamente à posse advinda de um contrato de aluguel, cujas regras são ditadas por lei específica (Lei nº 8.245/91).

Em geral, o possuidor tem direito à indenização das benfeitorias realizadas no imóvel. Segundo o Código Civil, benfeitorias são obras ou despesas efetuadas em um imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo.

Neste sentido, o Código dispõe que as benfeitorias que têm por finalidade conservar o bem ou evitar que se deteriore são chamadas de “necessárias”. As benfeitorias que melhoram ou facilitam o uso do bem, são chamadas de “úteis”. Já aquelas benfeitorias que visam o mero deleite ou recreio e que não aumentam o uso habitual do bem são tratadas como benfeitorias voluptuárias. É de acordo com a classificação da benfeitoria realizada que saberemos se o possuidor que as realizou terá direito de indenização junto ao proprietário do imóvel.

Neste ponto vale a pena conhecer o que o Código prevê, em seu artigo 1.219:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Assim, se aquele que está na posse do bem de outra pessoa estiver de boa-fé, ou seja, não conhece que está ilegalmente na posse daquele bem, realizar benfeitorias, terá direito a ser indenizado pelas benfeitorias necessárias e úteis. Havendo benfeitorias voluptuárias (aquelas para mero recreio ou diversão), se o proprietário não quiser indenizá-las e for possível sem deteriorar o bem principal, poderá ser retirada.

Porém, a princípio, a questão que envolve as quadras de esporte, as churrasqueiras e os píer construídos pelos denominados ocupantes irregulares, se parece mais com a definida pelo Código como a do possuidor de má-fé, situação em que a pessoa que está na posse do bem de outrem conhece o caráter ilegal desta ocupação, o que geralmente ocorre nas situações de invasão de área pública, os chamados puxadinhos, sejam eles pobres ou “chiques”, onde o possuidor além de invadir área que não lhe pertence, passa a ocupá-la, realizando ali obras.

Para estes casos, assim dispõe o Código Civil, no art. 1.220:

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Assim, podemos perceber que se alguém que está ocupando ilegalmente área ou imóvel de outrem faz ali melhorias, em regra, quando da entrega do bem a seu legítimo proprietário perderá as benfeitorias realizadas, a menos que prove que as mesmas eram necessárias para a conservação do bem. Somente neste caso terá direito a alguma indenização. Porém, não poderá retirar as benfeitorias voluptuárias do local e nem poderá adiar a devolução do bem, alegando a recusa de indenização por parte do proprietário.

Como se percebe, a utilização das benfeitorias edificadas às margens do Lago Paranoá por parte do GDF é perfeitamente cabível e legítima, uma vez que realizadas em ocupação irregular de área pública. Porém outras questões se colocam neste caso: como proporcionar a devida proteção ambiental da orla do Lago Paranoá, desejo de todos os cidadãos, com a disponibilização do acesso e utilização do mesmo por parte do povo, que como bem destacou o magistrado é o legítimo proprietário da área pública ali situada? Para obter esta resposta devemos aguardar que o GDF apresente e coloque em prática o plano ambiental de conservação e uso do entorno do Lago, como determinado pela Justiça.

*Francisco Cabral, é advogado. Atua na área Cível, sendo professor de Direito Civil na Faculdade ICESP de Brasília. Email: franciscojpcabral@gmail.com

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