Radar Econômico/Opinião

*Por Caio Rafael Correia Braga Internacionalista com experiencia em economia global.

O posicionamento brasileiro diante da transição energética global

Publicado em

Desde o final do século passado, as discussões a respeito da sustentabilidade e viabilidade do modo de produção têm dominado os fóruns de debate internacional. Hoje, mais do que nunca, a necessidade de se construir um modo de produção de bens e serviços que seja sustentável e não ameace a própria existência humana na terra faz-se presente.

A transição energética já se constitui, e continuará a sê-lo, o tema mais relevante das relações internacionais para o presente século, orientando as discussões e ações tomadas pelos países nos planos nacional e internacional.

Neste particular, o Brasil se constitui como um ator de grande relevância para uma plena e bem-sucedida transição energética. Nosso país é não apenas uma terra rica em recursos naturais cruciais para o sucesso da transição ecológica, como regime de ventos, incidência solar e capacidades hídricas, mas, também, possui grande potencial para a implementação de processos produtivos e tecnologias sustentáveis que garantam o sucesso da descarbonização mundial.

Nossa posição nos habilita, portanto, à liderança nas temáticas ambientais internacionais e, a partir dela, nos abre um leque de possibilidades para que possamos barganhar em favor dos objetivos nacionais de desenvolvimento científico-tecnológico e de redução das desigualdades sociais domésticas.

Neste processo, contudo, a sociedade e o governo brasileiros devem estar atentos para não difundirem discursos e adotarem políticas que visam a atender interesses de outros países, cujos objetivos em termos de política internacional podem diferir frontalmente dos nossos.

A SITUAÇÃO ATUAL DO SETOR ENERGÉTICO MUNDIAL

Contemporaneamente, a carbonização mundial é resultado, principalmente, dos setores de energia e processos industriais, os quais produzem cerca de 80% das emissões mundiais de CO2 em razão da utilização de combustíveis fósseis para a realização de seus processos produtivos. São os combustíveis fósseis, por sua vez, os responsáveis pela emissão dos gases e substâncias que intensificam a degradação ambiental global e colocam luz na necessidade de uma transição energética e mudança da estrutura produtiva global.

O diagnóstico acima, contudo, não reflete a contribuição do Brasil para as emissões mundiais de carbono. Os setores de energia e processos industriais brasileiros respondem por pouco mais de 30% do total das emissões nacionais de carbono.

No Brasil, a maioria das emissões de carbono resulta de processos relacionados à agropecuária e ao desmatamento. Este simples diagnóstico nos mostra, portanto, que os desafios aos quais o Brasil deve fazer face são distintos daqueles a serem enfrentados pelo restante do mundo.

Entendo que, diante dessa diferença de diagnósticos, as ações brasileiras devem privilegiar, primeiramente, a resolução dos problemas nacionais relativos à temática ambiental, focalizando a adoção de medidas que correspondam verdadeiramente aos nossos problemas, alinhando-as aos interesses nacionais e afastando-se daquelas soluções que mais refletem problemas alheios que domésticos.

O PETRÓLEO NO PROJETO BRASILEIRO DE TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

É muito comum que a discussão a respeito da transição energética venha carregada de ideias preconcebidas a respeito de quais medidas um país deve adotar ou não para o sucesso da transição ecológica.

Nesta discussão, o petróleo parece ser o elemento central, dividindo paixões entre aqueles que defendem a continuidade de seu uso e outros que condenam sua presença como fonte de energia. Faço, convictamente, parte do grupo de pessoas que acreditam que o Brasil deve se valer do petróleo como fonte de energia e argumento que nosso país deve aumentar a intensidade de sua exploração e não se deixar orientar por uma linha de debate que busque condenar o seu uso como fonte energética.

Pode parecer contraditório ao leitor a defesa desta posição, se, ao mesmo tempo, afirmo que a transição energética é uma agenda mais do que necessária para a garantia da própria existência humana futura. Razões práticas abundantes, contudo, sustentam tal posição e desmontam essa aparente irracionalidade.

A primeira delas é o consenso global a respeito da continuidade de utilização do petróleo como fonte de energia pelo menos pelos próximos 40 anos. Em relatório divulgado ao final de 2023, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)constatou esta realidade, corroborando a posição de muitos analistas de política internacional, dentre os quais me incluo, a respeito da imprescindibilidade do petróleo no cenário internacional.

De fato, é difícil imaginar que os principais produtores mundiais de petróleo abandonarão um mercado tão lucrativo sem que possam ter a certeza de que fontes de energia mais sustentáveis possam sustentar o desenvolvimento econômico, a viabilidade da produção industrial e a garantia de seus interesses financeiros e comerciais em escala global.

Assim, sendo o Brasil um grande produtor de petróleo bruto e possuindo uma empresa da importância para o desenvolvimento nacional como a PETROBRAS, nada mais natural do que ser um defensor da utilização do petróleo como fonte energética.

Adicionalmente, devo comentar que o petróleo brasileiro é comprovadamente menos poluente do que aquele produzido em outras partes do mundo. De acordo comrelatório do BNDES, acima já mencionado, cada barril de petróleo brasileiro produzido emite cerca de 50% menos carbonocomparativamente à média mundial.

Ademais, em dois dos campos de petróleo da PETROBRAS, Tupi e Búzios, esses indicadores são ainda menores, registrando pouco mais de 9kg de CO2 emitidos por cada barril de petróleo produzido.

Tal característica, parece-me, coloca o Brasil em outro patamar na produção mundial de petróleo, porquanto, dada a contínua demanda internacional por essa “commodity” e a crescente necessidade de redução das emissões de carbono, buscam-se cada vez mais fornecedores com maior nível de sustentabilidade, isto é, menor emissão de carbono por barril produzido.

Existe, então, um gigantesco potencial comercial internacionalpara as produtoras petrolíferas brasileiras, cuja renda derivada pode ser utilizada em favor da transição energética e de outros objetivos socioeconômico nacionais, como a redução das desigualdades sociais e o reavivamento das estruturas tecnológica e industrial nacionais.

O aproveitamento dessa demanda internacional por um petróleo menos poluente não pode ser restrita ao petróleo em sua forma bruta, mas deve favorecer, também, o refino do produto. Isso exigiria a realização de grandes investimentos financeiros por parte do Estado brasileiro, que possibilitassem a passagem de nosso país de mero exportador de petróleo bruto para um produtor com grandes capacidades de refino.

Nesse sentido, incremento tecnológico daestrutura produtiva e industrial nacional seriam necessários, além da retomada do controle das refinarias já existentes e construção de novas plantas de refinaria em nosso país.

O efeito direto do incremento da capacidade de refino doméstica poderia sera redução do custo da energia nacional e, logicamente, do custo de vida da população brasileira, a qual experimentaria, principalmente, uma redução no preço dos alimentos, cujo valor é fortemente definido pelos custos de transportes, os quais estão intimamente associados ao valor da energia e dos combustíveis.

Afirmo que uma medida de tal monta “poderia” ocasionar o resultado anteriormente descrito porquea definição do preço doméstico dos combustíveisestá igualmente subordinada a uma legislação. Se, diante das medidas anteriormente elencadas, as regras que definem o preço do petróleo internamente continuam a associá-lo a condicionantes econômicos internacionais, os resultados seriam nulos para os objetivos aventados.

Por essa razão, faz-se necessária a desassociação jurídica do preço do petróleo nacional, tanto quanto possível, de fatores internacionais definidores de preço, os quais fogem do controle do Estado brasileiro e podem reduzir o impacto social das medidas adotadas.
Idealmente, a concretização de uma política como a descrita acima faria com que o Brasil se tornasse um competidor internacional no mercado petrolífero, abrindo uma nova janela de oportunidades comerciais extremamente lucrativa.

O desenvolvimento das capacidades de produção e refino do Brasil permitiria a entrada de mais recursos financeiros, os quais poderiam ser destinados ao financiamento das fontes de energia sustentáveis e ao reavivamento de setores do parque industrial brasileiro que produzem em função das demandas da indústria petrolífera.

Deste modo, novas fontes de renda para a população brasileira e para o financiamento da transição energética surgiriam, favorecendo não somente os interesses brasileiros como, também, os interesses internacionais.

A POLÍTICA INTERNACIONAL ESTÁ INCERTA… E ISSO É UMA GRANDE OPORTUNIDADE PARA O BRASIL
Ocupar uma posição desta relevância no cenário internacionalimplica, contudo, o surgimento de pontos de fricção geopolítica com as principais potências petrolíferas e tecnológicas mundiais, as quais não titubeariam em implementar todas as medidas necessárias e possíveis para, em primeiro lugar, promover uma reorientação da política brasileira para o setor de energia mais favorável a seus interesses e, diante de uma possível resistência brasileira, travar sua evolução.

Por esse motivo, a diplomacia brasileira possui um papel essencial para garantir a execução dos interesses nacionais, principalmente aproveitando-se da atual disputa de poder pela liderança mundial entre China e Estados Unidos, os dois maiores poluidores mundiais e com grandes interesses no sucesso da transição energética mundial.

Historicamente, a diplomacia brasileira acumulou “expertise” para transitar entre os diferentes polos de poder que buscavam a sobreposição de seus interesses comerciais, produtivos e tecnológicos de momento.

Durante os anos 30 e 40 do século passado, Getúlio Vargas aproveitou a disputa por hegemonia global entre a Alemanha nazista e os Estados Unidos para dar vazão a seu projeto de industrialização nacional a partir da siderúrgica de Volta Redonda, obtida do financiamento e cooperação dos Estados Unidos.

Anos mais tarde, durante a Guerra Fria, a diplomacia brasileira dos anos de Juscelino Kubitschek inaugurou as bases daquilo que ficaria conhecido como “Política Externa Independente”, a qual orientaria a posição de neutralidade de nosso país no conflito entre Estados Unidos e União Soviética e buscaria retirar o máximo de recursos possíveis das duas superpotências em prol dos objetivos de desenvolvimento nacional daquele período.
Contemporaneamente, o mundo observa a intensa disputa entre China e Estados Unidos por espaços de poder e influência globais nos campos comercial, financeiro,tecnológico e de investimentos.

Parece-me que esta disputa por hegemonia é equiparável aos momentos históricos mencionados anteriormente e, diante disso, o Brasil possui uma grande janela de oportunidades para fortalecer sua posição no cenário internacional, especialmente se consideramos a necessidade da transição energética como um objetivo globalmente perseguido e as potencialidades brasileiras neste campo.

Nesse sentido, defendo que o Brasil deve envidar esforços para a transição energética considerando suas particularidades como emissor de carbono e buscando, ao mesmo tempo, promover seus objetivos de industrialização e incremento tecnológico nacional de modo a promover alguma alteração estrutural na sua posição na hierarquia econômica mundial. Não se trata de ignorar a agenda ambiental que as principais potências mundiais possuem e tentam fazer com que adotemos, mas, sim, condicionar a implementação das políticas ambientais oriundas desses países ricos ao incremento tecnológico e modernização do parque industrial nacionais.

Neste aspecto, por exemplo, o acesso das diversas empresas estrangeiras do setor de energia com interesses na utilização dos recursos minerais e naturais brasileiros deve ser condicionado a cláusulas de transferência de tecnologia e construção de plantas produtivas locais, bem como obrigatoriedade de reinvestimentos de parte dos lucros de suas atividades na construção de parques tecnológicos e de inovação nacionais, os quais funcionariam como centros de excelência na formação profissional.

A despeito da existência dessa dinâmica em alguns setores da economia do país, o que necessitamos é a expansão completa desse modelo de negócios, de modo a favorecer a produção e a população locais.

De igual, cabe ao Brasil também a implementação de medidas que resolvam suas causasprincipais de emissão de carbono, isto é, aquelas oriundas da agricultura e do desmatamento. A ação do Brasil deve ser soberana, mas não prescindir de cooperação internacional, notadamente na área de tecnologia, elemento crucial para o posicionamento e fortalecimento de qualquer nação no cenário internacional.

Algumas das medidas mais essenciais incluem o desenvolvimento de inovações, como aditivos que reduzem a fermentação entérica, inibidores de nitrificação e a construção de plantas produtivas e tecnológicas nacionais que dotem nosso país de capacidade autônoma de produção das tecnologias necessárias.

Neste particular, aproveitar-se das oportunidades de investimento internacional e da disputa internacional por espaços de influência deve orientar a estratégia a ser seguida pelo Brasil, quem deve condicionar sua relação com as grandes potências mundiais, interessadas na implementação de uma agenda verde que defenda seus interesses, à modernização tecnológica e reconstrução do parque produtivo nacional.

A implementação de medidas que fortaleçam a posição internacional do Brasil em facedas outras nações não será bem-vindo nem bem-visto por aqueles países que almejam manter sua posição dominante nas relações internacionais.

Entretanto, a agenda ambiental contemporânea, as potencialidades do Brasil nesse setor e a existência de algum nível interno de tecnologia que possa, desde já, favorecer os esforços de transição ecológica global, nos qualificam sobremaneira para que possamos implementar os condicionantes aqui descritos e favorecermos nossos objetivos comerciais, tecnológicos e produtivos como nação e, igualmente, possamos contribuir para a completa passagem para uma economia verde.

*Caio Rafael Correa Braga é Internacionalista. Pesquisador na Amarante Consulting. Morou e estudou na França, Itália e Alemanha. Atualmente encontra-se em Berlim e é articulista do Radar DF

Siga o perfil do Radar DF no Instagram
Receba notícias do Radar DF no seu  WhatsApp e fique por dentro de tudo! Entrar no grupo

Siga ainda o #RadarDF no Twitter

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Receba as notícias de seu interese no WhatsApp.

spot_img

Leia também

Rotarianos de Brasília concedem “Medalha Ernesto Silva” à Celina Leão

A medalha é um reconhecimento às personalidades notáveis do cenário rotário, jurídico e político. A cerimônia ocorreu na sede do clube, com a presença de diversas autoridades.

Mais Radar

A luta não é mais contra o Hamas. Israel desencadeia, na verdade, um projeto político

Governo de Israel usa seu“direito de retaliação e defesa” a serviço de objetivos políticos mais profundos, escreve Caio Rafael Correa Braga no seu artigo desta terça-feira.

Lula e o conflito Israel-Palestina: seria a paz possível na faixa de Gaza?

As recentes declarações do presidente brasileiro sobre o conflito no Oriente Médio não são o absurdo que parecem ser, apesar de historicamente desproporcionais

O erro estratégico da Europa na guerra da Ucrânia

Por que a estratégia europeia de não favorecer o diálogo e a paz é um equívoco de longo prazo

Últimas do Radar

O Radar DF não permite essa ação

»
»