Radar Econômico/Opinião

*Por Caio Rafael Correia Braga Internacionalista com experiencia em economia global.

O erro estratégico da Europa na guerra da Ucrânia

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Na última sexta-feira (09), o chanceler alemão Olaf Scholz teve um encontro com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Washington.

Na ocasião, ambos os chefes de Estado discutiram a situação do conflito na Ucrânia e reforçaram o apoio moral, financeiro e militar da Alemanha e dos Estados Unidos à Ucrânia.

O comprometimento do chanceler alemão em fornecer ajuda financeira e militar aos ucranianos complementa a medida que havia sido adotada pela União Europeia na primeira semana de fevereiro, quando foi anunciado novo pacote de ajuda aos ucranianos no valor de 50 bilhões de euros (cerca de 270 bilhões de reais).

Desde o início do conflito no Leste europeu, em fevereiro de 2022, a posição europeia é caracterizada por um constante apoio moral, financeiro e militar aos ucranianos.

Na gênese do conflito, os europeus, juntamente com os estadunidenses, esperavam que a imposição de sanções à Rússia e o apoio financeiro e militar à Ucrânia conduzissem a uma rápida derrota das forças russas no terreno e a um enfraquecimento, ou eventual queda, de Vladimir Putin no plano da política doméstica, assim como da Rússia na esfera internacional.

O tabuleiro geopolítico, no entanto, deu provas robustas, já nos primeiros meses de conflito, que a expectativa europeia não seria atendida.

A despeito das evidências fornecidas por quase dois anos de conflito no Leste europeu, o bloco europeu insiste, ainda hoje, em levar a cabo uma política fracassada de estímulo à continuidade do conflito.

A continuidade dessa política por parte da União Europeia (UE) tem-se mostrado um equívoco de grandes proporções no que concerne seu posicionamento estratégico nas relações internacionais.

Em primeiro lugar, o acirramento das tensões com a Rússia acabou por levar a principal economia europeia, a Alemanha, a uma elevação substancial dos custos de produção-notadamente os custos de energia- e a uma redução gradual da sua capacidade produtiva, gerando um grave problema para os industriais alemães e, por consequência, para a saúde financeira de todo o bloco europeu, cujas relações comerciais intrabloco correspondem a cerca de 60% de todas as trocas comerciais dos países que o compõem.

Além disso, a continuidade de uma política de estímulo ao conflito entre russos e ucranianos parece somente agravar a crise de preços no espaço europeu, especialmente pela dependência que os produtores possuem de fontes de energia de baixo custo para sustentarem seu modelo econômico e a competitividade de suas indústrias.

Não à toa, pouco mais de um ano após o início do conflito, a Câmara de Comércio e Indústria Alemã emitiu relatório no qual afirmava que cerca de um terço dos fabricantes alemães consideravam deslocar suas plantas produtivas para o exterior em razão da elevação dos custos de produção no território alemão.

Em segundo lugar, a Europa, ao anunciar novos pacotes de sanções contra os Russos e pacotes de ajuda financeira e militar à Ucrânia, age diretamente contra si mesma por estimular a pressão migratória em direção a seus países membros, notadamenteaqueles que possuem maior Produto Interno Bruto (PIB).

Ademais, também aguça os conflitos sociais, culturais e de disputa por espaço no mercado de trabalho em sociedades que já enfrentam as dificuldades da convivência e entendimento entre povos de diferentes origens culturais.

A despeito da proximidade cultural e social dos ucranianos com a maioria das sociedades europeias, a inserção de mais um grupo nacional nos países membros da Uniãocontribui para o agravamento da desfragmentação social atualmente em curso em muitos países do bloco.

Estados como França, Alemanha e Itália, que possuem grande parcela de seus habitantes oriunda de países árabes, da Eurásia (como é o caso da comunidade turca na Alemanha) ou do norte da África, passam a lidar com a possibilidade de inserção de mais um grupo social no turbulento caldeirão social que os caracteriza e, como consequência, sofrem com o risco de ver o surgimento de conflitos sociais que potencialmente se projetam nas disputas por mercado de trabalho, acesso a serviços públicos, a benefícios financeiros fornecidos pelos Estados-membros, assim como a benefícios sociais.

Resultado direto das duas primeiras consequências que elenquei é o estímulo à desestabilização política e a intensificação das atividades política e social de movimentos/partidos de extrema direita.

A alta dos preços, o aumento da pressão migratória e a desagregação de diversos setores das economias europeias têm sido elementos usados por partidos de extrema direita para ampliar sua base eleitoral, conquistar mais votos e ocupar mais espaços dentro da estrutura político-institucional da UE, inclusive defendendo medidas e pautas contrárias à própria existência do bloco de integração regional.

Ora, na medida em que as políticas adotadas pelo bloco europeu em relação ao conflito da Ucrânia favorecem os elementos que alimentam o crescimento da extrema direita, não restam dúvidas que a UE dá mais um tiro no próprio pé ao não promover uma política favorável ao fim do conflito.

Por último, não poderia deixar de mencionar um aspecto crucial que orienta, atualmente, a política externa do bloco europeu: a transição energética.

Sem sombra de dúvidas, a invasão russa da Ucrânia fez com que a UE buscasse acelerar o processo de transição energética para fontes renováveis e limpas, tendo em vista que se impôs a necessidade de encontrar fontes alternativas, mais baratas e menos dependentes dos combustíveis fósseis russos.

Este processo, contudo, não se realiza no curto prazo e exige um aporte financeiro de grandíssimas proporções, ao mesmo tempo em que a atividade econômica deve ser dinâmica e, os preços, estáveis.

Conforme mencionei acima, entretanto, nem o dinamismo econômico nem a estabilidade dos preços encontram-se presentes na Europa de hoje.

Para a transição energética almejada pela UE, tanto Rússia quanto Ucrânia jogam um papel fundamental, tendo em vista que são países com grandes reservas de minerais verdes, isto é, minerais essenciais para a concretização da transição energética.

No caso ucraniano, estes minerais encontram-se, em boa parte, nos territórios controlados pelas forças russas, os quais, tenhamos clareza, não lhe serão devolvidos, mas permanecerão sob controle dos russos, como explicitou cristalinamente o presidente Vladimir Putin ao jornalista estadunidense Tucker Carlson em entrevista divulgada na última quinta-feira (08).

Se não controlados pelos russos, aqueles minerais verdes estão sob terras adquiridas por empresas estadunidenses.

Mais uma vez tenhamos clareza: os Estados Unidos, em matéria de política internacional, não têm amigos; possuem interesses.

Neste particular, é evidente que os recursos minerais ucranianos sob o controle das empresas estadunidenses não serão usados para favorecer a transição energética europeia, mas, sim,favorecerão a construção da economia verde da superpotência americana.

Nesta disputa, os interesses nacionais falam mais alto e, não obstante a possibilidade de cooperação, os líderes europeus não podem alimentar ilusões de que obterão algum controle sobre recursos minerais essenciais para seus projetos de política externa.

Parece-me, claro, portanto, que a Europa, ao lançar um conjunto de medidas que estimulam as tensões entre Rússia e Ucrânia, somente reduz seu campo de possibilidades na geopolítica mundial e aumenta sua dependência de parceiros internacionais como os Estados Unidos, os quais, por questões de Realpolitik, não desejam ver uma Europa industrialmente forte, tecnologicamente competitiva, nem com capacidade de impor desafios à sua superioridade global.

As ilusões de uma eventual vitória europeia/ocidental na guerra da Ucrânia já não devem mais fazer parte do imaginário dos líderes políticos europeus, porquanto a derrota da Rússia não é mais possível.

Um novo padrão de poder e de relações se estabeleceu no Leste europeu e ao bloco europeu cabe pôr fim à política de estímulo às belicosidades.

Chegou-se a um ponto no qual os elementos de poder real falam mais alto que os elementos ideológicos e morais que embasaram e embasam o apoio europeu à Ucrânia desde o início do conflito.

O diálogo pela paz e pelo reestabelecimento das relações faz-se mais que necessário pelo bem de sua própria economia, sociedade, estabilidade das suas relações políticas e objetivos geopolíticos.

*Caio Rafael Correa Braga é Internacionalista. Pesquisador na Amarante Consulting. Morou e estudou na França, Itália e Alemanha. Atualmente encontra-se em Berlim e é articulista do Radar DF

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