Tal medida faz parte indissociável da política econômica internacional colocada em prática por Trump, cujo objetivo central é repetir o protecionismo do final dos anos 1.800 e começo dos anos 1.900, que conduziu os Estados Unidos ao status de grande potência mundial.
Com a medida, o mandatário estadunidense busca auferir ganhos políticos, condicionando a não-entrada em vigor do tarifaço à anistia do ex-presidente Bolsonaro, num claro atentado à soberania brasileira.
Para além do intervencionismo estadunidense descarado – característica, aliás, típica de sua política externa-, chama a atenção o conteúdo da resposta do mandatário brasileiro face ao conflito, no qual assume centralidade o multilateralismo como meio de afirmação da soberania e do desenvolvimento nacional.
Não é a primeira vez que o discurso do chefe de estado assume esse tom. Ao longo de seus dois primeiros mandatos e, neste terceiro, por ocasião dos BRICS+, Lula ressaltou a importância das concertações multilaterais no desenvolvimento econômico do país e na promoção da soberania nacional.
A crença exagerada do chefe da nação brasileira nos organismos multilaterais como um meio garantidor de desenvolvimento e soberania revela sua falta de compreensão estratégica da nação, do funcionamento do sistema interestatal e das necessidades de desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
O argumento central deste texto é o de que a participação e a atuação em organismos internacionais devem ser condicionadas a um projeto nacional de desenvolvimento científico, tecnológico, social e econômico, sem o que jamais será superada a condição de subdesenvolvimento nacional.
Trata-se de reconhecer que nos organismos internacionais se expressam as diferenças de poder entre as nações e que, como tal, não podem ser espaços nos quais um país com as potencialidades do Brasil faça valer seus interesses de desenvolvimento de maneira sistemática e sustentada.
Além disso, tal como desenhados, eles favorecem a reprodução de um sistema econômico internacional no qual as nações produtiva e cientificamente mais desenvolvidas valem-se dos diferentes mecanismos a sua disposição para reforçar suas posições dominantes, ao passo que países com menor grau de desenvolvimento socioeconômico, como o Brasil, permanecem atrelados ao atraso científico-tecnológico e produtivo, não gozando de reais capacidades de resposta face a um ataque à soberania nacional, como o praticado por Trump.
No atual estágio das relações interestatais, a confrontação da ordem político-econômica estabelecida é essencial, e a apologia do multilateralismo, no discurso e, na prática, é um elemento que deseduca e desfavorece a construção de um movimento intelectual e político em favor de um projeto nacional.
A resposta ao subdesenvolvimento e aos ataques à soberania nacional deve passar, justamente, pela construção teórica e prática de uma ideologia do desenvolvimento nacional, cujos seixos sejam o desenvolvimento não atrelado ao estrangeiro, tanto quanto possível, de nossas capacidades científico-tecnológicas, de modo que as riquezas socioeconômicas brasileiras sejam materializadas na melhoria de vida de nossos nacionais.
Ao Brasil e aos brasileiros não cabem, portanto,ilusões sobre o papel do multilateralismo em nosso desenvolvimento e na garantia de nossa soberania.
Nem o multilateralismo ocidental, nem o multilateralismo « à la chinesa », hoje representado pelos BRICS+,podem ser vistos como o caminho para o desenvolvimento nacional, porque, efetivamente, são espaços de projeção de poder de seus idealizadores.
Ao Brasil e aos brasileiros cabe, sim, rejeitar a apologia do multilateralismo como método privilegiado de posicionamento internacional e afirmar a necessidade de um projeto nacional que nos oriente em direção à superação do subdesenvolvimento econômico e social.