O “Sorvepote(l)”, apelido dado a um novo golpe que se espalha pelo WhatsApp, vem chamando a atenção de especialistas em segurança digital e acendendo um alerta social.
Estamos diante de um crime que se aproveita da boa-fé e da vulnerabilidade tecnológica de quem mais confia: os idosos.
O esquema começa com o envio de uma mensagem aparentemente inofensiva — um comprovante, um orçamento ou qualquer outro arquivo comum.
Ao ser aberto, o vírus se instala no aparelho e passa a enviar novas mensagens automaticamente para todos os contatos da vítima, transformando o mensageiro em um elo de contaminação em cadeia.
O resultado é devastador: violação de dados pessoais, roubo de senhas, invasão bancária e, muitas vezes, danos emocionais irreversíveis.
Mais do que um golpe, o fenômeno do “Sorvepote(l)” expõe um problema estrutural. Ele escancara a desigualdade digital de um país que conectou sua população antes de prepará-la para viver online.
Milhões de brasileiros idosos, ou pouco familiarizados com tecnologia, acessam diariamente aplicativos, links e redes sociais sem o menor senso de risco — não por descuido, mas por ausência de uma educação digital cidadã.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, assegura a inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
No entanto, esses direitos tornam-se quase simbólicos diante da vulnerabilidade de quem sequer compreende o perigo de um link falso.
O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) reforçam a importância da segurança e da privacidade, mas sua aplicação prática ainda está distante da realidade cotidiana.
Do ponto de vista jurídico, golpes digitais como o “Sorvepote(l)” enquadram-se no artigo 171 do Código Penal, que trata do estelionato — especialmente em seu §2º-A, incluído pela Lei nº 14.155/2021, que agrava a pena quando o crime é cometido por meio eletrônico ou contra idosos.
Também se aplica a Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que criminaliza a invasão de dispositivos informáticos.
Contudo, na prática, o cenário ainda é de impunidade. A dificuldade técnica de rastrear criminosos digitais e a morosidade processual tornam a resposta penal lenta e ineficiente.
O Direito corre atrás de um mundo que muda a cada atualização de aplicativo. Mais do que punir, é preciso educar para prevenir.
Ensinar o básico — “não clique em links desconhecidos”, “verifique o remetente”, “mantenha o sistema atualizado” — pode parecer trivial, mas é um gesto de proteção coletiva.
A inclusão digital não pode se resumir a entregar um smartphone a um idoso; deve vir acompanhada de orientação, paciência e empatia.
Famílias, escolas e governos precisam compartilhar a responsabilidade de alfabetizar digitalmente a população, da mesma forma que se alfabetiza para ler e escrever.
O “Sorvepote(l)” é, em última instância, o sintoma de um Brasil que se digitalizou sem se humanizar.
O combate ao cibercrime exige mais do que antivírus ou leis: requer consciência social e empatia intergeracional.
O “Sorvepote(l)” não é apenas um golpe — é um espelho. Ele reflete uma sociedade que ainda não aprendeu a proteger seus mais velhos na era da conexão. Educar é proteger.
*Maria Eduarda é bacharel em direito, especialista em Direito Penal, Processual Penal e técnica em Criminologia. Quer falar comigo? mesqueirozdf@gmail.com



