O caso do influenciador paraibano Hytalo Santos, investigado por suposta exploração e “adultização” de adolescentes em conteúdos publicados nas redes sociais, ultrapassa os limites de uma simples polêmica digital.
Ele se transformou em um debate jurídico, social e ético que põe à prova a efetividade do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Direito Penal brasileiro e da própria capacidade da sociedade em proteger seus menores diante da lógica da internet e da monetização de imagens.
O artigo 227 da Constituição Federal estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, ao respeito e ao desenvolvimento saudável. Esse princípio é a base do ECA, que há mais de três décadas consolidou a proteção integral de menores de 18 anos.
Quando adolescentes são expostos a festas com álcool, a conteúdos de conotação sexual ou à exploração de sua imagem em redes sociais com fins lucrativos, não se trata apenas de falha moral, mas de possível violação constitucional.
O ECA (Lei nº 8.069/90) é claro ao vedar qualquer forma de negligência, exploração, violência ou opressão contra menores. Seu artigo 17 protege o direito à imagem, enquanto o artigo 18 proíbe usos que coloquem crianças e adolescentes em risco ou constrangimento.
No caso em análise, os elementos investigados pelo Ministério Público indicam que houve, em diversos momentos, a utilização da imagem de adolescentes em situações que podem configurar violação desses dispositivos.
Ainda que houvesse consentimento de pais ou responsáveis, esse consentimento não é absoluto quando confrontado com a garantia constitucional da proteção integral.
O Código Penal também traz previsões aplicáveis. O artigo 217-A criminaliza o estupro de vulnerável, que inclui qualquer ato libidinoso com menores de 14 anos. Já o ECA e leis correlatas criminalizam a exploração sexual, a pornografia infantojuvenil e o tráfico de pessoas com fins de exploração.
No processo em curso, a Justiça já apontou fortes indícios de tráfico de pessoas e exploração de menores, o que levou à decretação da prisão preventiva de Hytalo Santos, à suspensão de seus perfis nas redes sociais e à apreensão de materiais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a prisão, destacando o risco de reiteração das condutas e a necessidade de resguardar as vítimas.
Apesar da firme atuação atual do Judiciário e do Ministério Público, o caso revela lacunas práticas. Termos como “adultização” ainda carecem de definição legal clara, abrindo espaço para interpretações divergentes.
Além disso, há críticas à lentidão inicial das autoridades diante de denúncias que circulavam há meses nas redes.
Outro ponto sensível é a revitimização dos adolescentes. Toda investigação deve ser conduzida com extremo cuidado para que a coleta de provas não exponha novamente as vítimas, respeitando o sigilo e o suporte psicológico previsto em lei.
As redes sociais desempenham papel central nesse debate. Plataformas que lucram com visualizações de conteúdos têm também a responsabilidade de agir prontamente diante de denúncias de exploração de menores.
A demora em remover conteúdos não é apenas uma falha ética, mas pode configurar responsabilidade jurídica, considerando a legislação brasileira e decisões recentes da Justiça.
O caso Hytalo Santos deve ser entendido como sintoma de um problema maior: a vulnerabilidade de crianças e adolescentes em um ambiente digital que premia a exposição, a polêmica e a monetização a qualquer custo.
Ele acende o alerta sobre a necessidade de maior fiscalização, conscientização social e atuação firme das instituições.
Não basta que a lei exista. É preciso que seja aplicada de forma ágil, eficaz e protetiva. Caso contrário, a promessa constitucional de prioridade absoluta à infância e à juventude seguirá sendo apenas uma retórica.
O caso em questão não deve ser tratado como mero escândalo midiático. Ele exige uma reflexão profunda sobre os limites entre liberdade de expressão, entretenimento digital e exploração ilícita.
O Direito brasileiro, por meio da Constituição, do ECA e do Código Penal, já oferece os instrumentos necessários. O desafio é garantir sua efetividade.
Em última análise, o que está em jogo é a própria credibilidade da sociedade em cumprir seu dever mais elementar: proteger os que ainda não têm plena capacidade de se proteger sozinhos.
*Maria Eduarda é bacharel em direito, especialista em Direito Penal, Processual Penal e técnica em Criminologia, contato: mesqueirozdf@gmail.com