O ASSUNTO É

Aprender com os erros do passado, para ter uma sociedade melhor

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Sempre gostei de assistir a programas de documentários a respeito de fatos históricos na TV. Penso ser importante conhecermos os eventos que marcaram nossa sociedade, pois penso que, em muitas situações, ao conhecermos os acertos e erros cometidos pelas gerações passadas teremos melhores chances de acertamos nossas ações no futuro.

A alguns anos, eu estava assistindo a um documentário do History channel a respeito das causas da Segunda Grande Guerra. Era um documentário sobre a ascensão do nazismo na Alemanha. Em 1933 o Partido Nacional Socialista, mais conhecido como partido nazista, assumiu o poder e começou a consolidar seu domínio sobre a população por meio de um governo de repressivo e arbitrário, eliminando seu os opositores.

Neste documentário vi uma cena me impactou profundamente: um homem que estava sendo preso em sua casa pela polícia nazista conseguiu se desvencilhar de seus agressores e correu à janela para gritar por socorro. O povo na rua, seus vizinhos, e até mesmo o guarda na esquina, todos continuaram seus afazeres, como se nada estivesse acontecendo. De repente, mão de um dos agentes nazistas tapou a boca daquele que clamava por socorro, enquanto os outros agentes o puxavam para dentro da casa, antes de ser imobilizado e levado à força para o interior de uma viatura.

O documentário não mostrou, mas provavelmente aquele homem jamais retornou para sua casa. Ele foi vítima da arbitrariedade dos agentes públicos de um Governo que, começando com pequenos atos ilegais como aquele, cometeu algumas das maiores atrocidades contra a humanidade que se tem notícia.

Parando para refletir sobre aquele documentário, uma coisa que me causou inquietação foi o fato de que a população, acuada pelo medo, assistia àqueles fatos e não se opunha às ações arbitrarias do governo. No geral os nazistas buscavam justificar suas ações sob a alegação de que as pessoas levadas à força eram na realidade criminosos, inimigos da sociedade, e que mereciam, portanto, aquele tipo de tratamento.

Da mesma forma, as instituições nacionais que deveriam reagir às injustiças cometidas pelos nazistas, como o Poder Judiciário ou o Parlamento alemão, estavam paralisados, com receio de possíveis represálias, e se omitiram diante da prática daqueles atos ilegais.

Pois bem, como disse, penso que olhar o passado e aprender com os erros cometidos por aqueles que vieram antes de nós é uma das maneiras de se conseguir um futuro melhor. Costumo dizer a meus alunos que uma das grandes conquistas da sociedade no pós-Grande Guerra foi o reconhecimento da necessidade de se humanizar mais o Direito, o que aconteceu pelo chamado movimento de constitucionalização do direito. Nossa Constituição de 1988, é um bom exemplo deste reconhecimento, pois provê às pessoas garantias individuais, de forma a preservar não somente o direito à vida, mas também o direito a uma vida digna.

Neste sentido foram assegurados às pessoas certos direito fundamentais (individuais, coletivos e sociais), dentre os quais destaco, de forma genérica, o direito à liberdade, à igualdade, à segurança, à moradia e o devido processo legal. Tais direitos representavam, então, um grande avanço para uma sociedade que buscava se modernizar e se livrar das tristes lembranças de um Brasil autoritário, onde os direitos e garantias individuais eram relativizados pelo Estado, com a justificativa que o mesmo estava agindo “em prol dos interesses da sociedade”.

Pois bem, e não é que assistindo ao noticiário do Distrito Federal nos últimos dias me deparei com imagens que me lembraram aquele documentário sobre a Alemanha nazista? Realmente, a operação de desocupação de área e derrubada de casas empreendida pelo GDF na Chácara 200 de Vicente Pires, que já está sendo popularmente chamado de “o massacre da chácara 200” me trouxeram uma grande preocupação.

Percebi que, atônita, a sociedade brasiliense assistiu a agentes públicos, sem o devido processo legal e sem uma ordem judicial, retirar famílias de dentro de suas casas à força, para que as mesmas fossem demolidas. Não vou entrar no mérito se a ocupação da área é ou não ilegal, pois penso que em um Estado democrático de direito a decisão final sobre este assunto cabe ao Poder Judiciário.

O que não concordo, e não posso aceitar, é que agentes públicos, ao arrepio das garantias constitucionais, sem o devido processo legal, sem uma notificação prévia, retirem de forma truculenta pessoas de dentro de suas casas. A SEOPS (que já está sendo apelidada pelos moradores de condomínio de “DOPS do GDF”), ignora a proteção constitucional da inviolabilidade do domicilio e, tal qual aqueles agentes nazistas, estavam retirando à força pais de família que tentavam proteger seus lares.

Durante a semana, agentes políticos do governo aparecem na mídia para, na tentativa de justificar o injustificável, criminalizar as vítimas, alegando que eram grileiros, inimigos da sociedade (acho que já ouvi isto antes), e que tais fatos justificariam as ações truculentas da AGEFIS (que na realidade se tornou um órgão muito mais de repressão do que de fiscalização).

É de se perguntar: as casas construídas em Vicente Pires ou em outras regiões do Distrito Federal, apareceram nestes locais da noite para o dia? Ou foi a omissão do Estado em seu papel de fiscalizar que nos levou a esta situação?

Penso que um dos principais papeis do Estado na área urbanística seria o de fiscalização, para que, no interesse da coletividade, se evite a ilegal ocupação do solo. Porém, tal atribuição do poder de polícia, conferido ao Estado, não está sendo bem cumprida pelo GDF, que fica inerte durante o período em que uma casa está sendo construída, não se utilizando dos meios legais que tem à disposição para defender o interesse público, como embargar uma obra, por exemplo.

Depois de meses ou até mesmo anos, sem aviso prévio, aparece com seu aparato repressivo e, alegando estar cumprindo seu dever, ao arrepio das leis e das garantias constitucionais, comete as mais brutais agressões, chegando até mesmo a agredir um cadeirante que nada mais estava fazendo do que tentar repelir uma agressão injusta dos agentes públicos.

Vendo estas cenas me pergunto: O que estão fazendo os representantes do povo? O que está fazendo a OAB e o Ministério Público? O poder Judiciário? Será que “engoliram” a tese divulgada pelo GDF de que aqueles moradores eram grileiros e por isto tiveram o que mereciam? O que está fazendo a sociedade brasiliense? Ninguém vai se mobilizar?

Acompanho notícias sobre as ações da AGEFIS a algum tempo e fico preocupado com o que está acontecendo. A arbitrariedade e a truculência de seus agentes estão crescendo a cada operação de derrubada. Me perdoem pelo exemplo hipotético e esdrúxulo que vou usar: “do jeito que as coisas estão indo, se não fizermos nada, é capaz de um dia vermos na mídia que agentes do GDF estão arrancando pessoas de suas casas e levando para locais de interrogatório, para que confessem que são grileiros ou possuidores de má-fé, a fim de justificarem suas ações truculentas”.

Até quando sociedade brasiliense assistirá de forma impassiva as atuais ações arbitrárias da AGEFIS? Será que teremos que aguardar que o exemplo hipotético se concretize para que nossas autoridades (executivo, legislativo, judiciário) e a sociedade civil percebam que o interesse público no DF requer a existência de uma boa fiscalização, mas que não necessita destas ações arbitrárias da AGEFIS?

Volto a frisar: não defendo aqui a ocupação ilegal de áreas públicas, o que realmente não é de interesse do povo. Mas estou preocupado com a escalada das arbitrariedades e ilegalidades que estamos observando no dia-a-dia do Distrito Federal.

Devemos lembrar que a questão fundiária no DF não é um assunto tão simples como defendem algumas pessoas que acham que todo morador de condomínio não regularizado é “grileiro”. Em muitas situações os limites entre áreas públicas e privadas não estão bem definidos. Mesmo em áreas reconhecidamente públicas temos aquelas que são passiveis de serem destinadas para fins de moradia e aquelas que não o são, como as margens do Lago Paranoá, por exemplo.
Por uma questão de princípios defendo que a decisão final sobre ocupações de parcelamento do solo no DF cabe ao Poder Judiciário, a quem, respeitando as garantias constitucionais, caberá decidir sobre a desocupação de áreas ilegalmente habitadas.

*Francisco Cabral, é advogado. Atua na área Cível, sendo professor de Direito Civil na Faculdade ICESP de Brasília. Email: franciscojpcabral@gmail.com

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