*Por Luciana Rebouças Lourenço
Não se duvida do poder-dever assinalado pela Constituição da República ao Distrito Federal para zelar pelos planos urbanísticos e arquitetônicos da cidade de Brasília. Diga-se, ainda, que é legítima a atuação fiscalizadora proveniente do poder de polícia administrativa.
No entanto, o fato da casa ser construída em área pública e/ou em parcelamento irregular – ainda que não passível de regularização – não permite a demolição sumária da obra. Ou seja, a derrubada da construção sem entrega de intimação demolitória e abertura de prazo razoável para defesa no âmbito administrativo.
Mais ainda quando se trata de posse antiga, tolerada por vários anos pela Administração Pública. Espera-se que as pessoas, públicas ou privadas, não caiam em contradição com atos e comportamentos anteriores. A Administração Pública se omitiu, durante décadas, em conceder soluções para a política habitacional do Distrito Federal. Noutra mão, não pode, repentinamente, proceder demolições sumárias de residências familiares, mesmo que edificadas sem licenciamento, sob pena de ofensa ao princípio do devido processo legal, assegurado pela Constituição.
A omissão dos responsáveis, quase sempre justificada por falhas de gestão ou de contingente, inspirou a confiança do administrado de que a construção se encontrava regular ou seria regularizada. A sociedade merece uma resposta condigna por parte do Estado, que não se resume na simples demolição, mas sim em uma política habitacional justa, embora tardia.
A presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos é relativa, ou seja, admite prova em contrário. Porém, do modo como atualmente aplicada, caminha na contramão da melhor doutrina e jurisprudência e se auto classifica como absoluta. A derrubada de uma casa é uma medida drástica e que pode ser considerada irreversível, diante dos prejuízos financeiros e psicológicos, além das dificuldades às quais ficam expostas as pessoas que perderam a residência.
Com efeito, na condição de agentes que atuam em nome da Administração Pública, os fiscais não podem esquecer sua primeira natureza: de seres humanos – passíveis, portanto, de falhas, erros e equívocos.
Dessa forma, não há razoabilidade na atuação administrativa que determina a demolição da obra sem possibilitar ao particular o devido processo legal (art. 5º, inciso LV, da Constituição da República).
A necessidade de observância aos preceitos constitucionais e legais pelos agentes públicos é o que difere os estados ditatoriais dos estados democráticos de direitos. Assim procedendo se estará conferindo eficácia plena às garantias e direitos individuais consagrados na Constituição Federal.
* Luciana Rebouças Lourenço é advogada pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público da Fundação Escola Superior do Ministério Público e pós-graduanda em Direito Imobiliário e Registral no Instituto de Direito Público de Brasília.