O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), por meio do presente, vem manifestar-se em favor da reforma da decisão proferida pelo Exmo. Min. Dias Toffoli, nos autos do Recurso Extraordinário nº 1.055.941, que determinou a suspensão nacional de processos criminais instruídos com documentação adstrita ao compartilhamento de dados fiscais e bancários de contribuintes, que tenham sido aviados aos autos sem autorização judicial.
Conforme nota divulgada no sítio do Supremo Excelso, após ter a repercussão geral reconhecida (tema 990), o julgamento pelo Plenário foi pautado somente para o dia 21 de novembro do ano corrente. Vale dizer, a questão será apreciada pelo c. Colegiado daqui a 4 (quatro) meses, daí decorrendo o manifesto prejuízo às investigações e aos processos penais em curso, ainda que, porventura, seja aplicada a suspensão também à prescrição, tal como já decidido no julgamento da questão de ordem suscitada nos autos do Recurso Extraordinário nº 966.177.
A toda evidência que haverá paralisação da maioria esmagadora das investigações e processos criminais em tramitação – repise-se, em todo o país -, principalmente os que estejam relacionados aos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e ilícitos contra o sistema tributário, resultando em inegável desmantelamento das linhas investigativas e intumescência do Poder Judiciário. O resultado previsível, ictu oculi, é de uma verdadeira avalanche de pedidos de autorizações que se seguirão,tão somente para que o magistrado afira a legalidade do compartilhamento, em juízo raso e sumário, que não resiste ao mais simplório cotejo com a proporcionalidade – nas vertentes da vedação ao retrocesso e, quiçá, da proteção deficiente – além dos princípios constitucionais da economia e celeridade processuais.
Conquanto a r. decisão tenha sido proferida no dia de ontem, ainda não é possível estabelecer o número exato de investigações e ações que serão prejudicadas com a suspensão, mas já é possível aquilatar o dispêndio oneroso e desnecessário de milhares de decisões judiciais que se prestarão tão somente para ratificar o uso de prova que será submetida ao contraditório no momento processual oportuno e sobre as quais há criteriosa apreciação do Ministério Público em sua colheita. E isto justamente sob pena de ter seu trabalho penalizado pecha indelével de nulidade que poderá acarretar inúmeras prescrições, ou mesmo absolvições, decorrentes da inobservância de formalidades que contabilizam a estatística vergonhosa da impunidade. Esta sim, sem dúvida alguma, a mais dura pena imposta a toda a sociedade.
É de reconhecimento inafastável que a decisão em referência vai na contramão de toda a evolução do moderno processo penal internacional, contudo, também se constitui em hipótese em que se possibilita ao poder público demonstrar à sociedade que, conquanto existam em seu seio mazelas como as apontadas, também existem órgãos e poderes altivos decididos a expurgá-las.
Parece-nos, assim, este o grande respeito que tem conquistado nosso Judiciário: ainda que inerte pela forma processualística de sua concepção – somente age quando provocado – tem se mostrado absolutamente sensível ao reclamo social de probidade, fim da impunidade, rechaço dos atentados à democracia, como tantas vezes tem demonstrado em suas tão firmes e corajosas decisões, sobretudo no combate ao mais contemporâneo dos males, a corrupção sistêmica e generalizada.
Não se descura, portanto, de que o compartilhamento dos dados bancários e fiscais – a despeito da autorização judicial, tal como legitimado pela Lei Complementar nº 105/2001, cuja constitucionalidade, inclusive, já foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs 2386, 2390, 2397 e 2859 -,se ajusta à efetividade dos preceitos constitucionais que, à luz da transformação dos influxos sociais, aliados à morosidade da tramitação dos processos judiciais rechaça toda e qualquer medida que resulte na ineficiência do provimento jurisdicional tardio e incapaz não só de reparar o dano ao erário, mas, principalmente, o de esparvorir a recidiva ilícita, tal como se constata na exigência que ora se pretende impor às persecuções penais.
Por tudo o que foi exposto, outra não é a conclusão senão a de que incumbe ao MPDFT aderir a moção necessária à reforma da decisão que determinou a suspensão das investigações e ações criminais nas hipóteses alhures, porquanto se constitui em ato absolutamente contrário ao fortalecimento dos instrumentos de combate a corrupção e lavagem de dinheiro.
Brasília/DF, 17 de julho de 2019.
SELMA SAUERBRONN
Procuradora-Geral em exercício
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT
SELMA LEÃO GODOY
Promotora de Justiça – Assessora Criminal da PGJ/MPDFT