O cenário político brasileiro tem sido marcado por um jogo de narrativas em que a vitimização de figuras políticas desempenha um papel central.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é um exemplo emblemático dessa estratégia.
Em 2017, Lula foi preso, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em uma ação ordenada pelo então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, e apoiada por importantes figuras do Supremo Tribunal Federal.
A prisão desencadeou uma onda de apoio ao ex-presidente, retratado por seus aliados como um “mártir político”, vítima de uma perseguição orquestrada.
A detenção de Lula, que durou 580 dias na carceragem da PF em Curitiba, não apenas mobilizou a base do PT, mas também contribuiu para uma mudança na percepção pública sobre o líder político preso.
Após ser liberto em 2019, as pesquisas de opinião já indicavam um aumento de sua popularidade, suficiente para torná-lo um forte concorrente contra Jair Bolsonaro nas eleições subsequentes. Foi exatamente o que aconteceu.
O cenário político brasileiro é dinâmico, e as narrativas de vitimização não são exclusividade das esquerdas; a direita também sabe utilizá-las.
Da mesma forma que ocorreu contra Lula, o foco da atenção judicial se voltou para Jair Bolsonaro.
O mesmo judiciário, que no passado encarcerou Lula em 2017 por meio do então juiz Sergio Moro, agora, em 2024, tem como coordenador das ações contra Bolsonaro o ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes.
Na última quinta-feira (8), a Operação Tempus Veritatis da PF mirou o ex-presidente, seus ex-ministros, além de assessores palacianos e militares de alta patente do Exército e da Marinha.
Todos são acusados de planejar um golpe de Estado.
Além de mandados de busca e apreensão, também houve mandados de prisão, como ocorreu com o coronel Bernardo Romão Correa Neto; com Marcelo Câmara, coronel da reserva do Exército; e Rafael Martins, major do Exército.
A esquerda e parte da imprensa já antecipam possíveis desdobramentos judiciais contra Bolsonaro, que pode levá-lo à prisão, assim como ocorreu com Lula.
A ação da PF que mirou Bolsonaro, seus ministros e assessores foi o assunto mais comentado da internet nos últimos seis dias, repercutindo mais do que o caso “Abin paralela” e o carnaval realizado em todo o país durante esse período.
Um levantamento do Instituto Quaest apontou mais de 1 milhão e 110 mil menções nas redes sociais sobre as investidas da PF contra Bolsonaro.
A maioria dos comentários, segundo o levantamento, classifica a operação realizada pela PF como “desproporcional”.
Se observa que o filme parece se repetir. Assim como ocorreu contra Lula, transformado em um mártir encarcerado em Curitiba, os bolsonaristas classificam o aparato judicial contra Bolsonaro como “perseguição política”.
A esquerda brasileira e parte da imprensa já falam abertamente que o “Mito” será preso e enjaulado por supostamente orquestrar o fracassado golpe de Estado ocorrido em 8 de janeiro de 2023.
Os tambores que batem forte contra o ex-presidente podem ajudar os bolsonaristas a capitalizar sobre a narrativa de vitimização.
A continuar nessa toada, o cenário sugere que, até as eleições de 2026, pode haver uma inversão de papéis: a volta da direita ao poder.
*Toni Duarte é jornalista e editor/chefe o Radar-DF, com experiência em análises de tendências políticas e comportamento social da capital federal. Siga o #radarDF