Na última sexta-feira (17), mais um capítulo dessa trama se desdobrou em tragédia, ressaltando a necessidade urgente de medidas para a segurança no trânsito e no transporte da capital federal.
No setor de Indústria e Abastecimento (SIA), a pressa e o desespero de se livrar do trânsito caótico custaram caro para passageiros de um ônibus que teimou em desafiar a aproximação fatal de um trem de carga.
Com sirenes estridentes e sinais luminosos ativados, o trem anunciava sua passagem iminente. A barreira natural dos trilhos, contudo, não foi suficiente para prevenir o avanço do ônibus da empresa Marechal.
Uma combinação de veículo antigo e reflexos atrasados pela congestão diária, o motorista viu-se incapaz de recuar a tempo.
O resultado foi um desastre: cinco pessoas gravemente feridas e o lamentável óbito de uma mulher que foi ejetada do veículo e teve um fim trágico diante dos olhares atônitos de quem presenciou o acidente.
A tragédia não pode ser vista como um ato isolado de má sorte. Ela é, o reflexo de uma série de negligências que começam muito antes do motorista pressionar o acelerador.
O trânsito de Brasília não é apenas ‘infernal’ por forças místicas, mas sim pelo descaso histórico com a integração efetiva entre os diferentes modais de transporte.
É fácil depositar a responsabilidade sobre os ombros do motorista, a parte mais fraca e imediatamente visível do episódio.
Entretanto, há outros fatores que contribuem para o teatro de horrores que se desenrola diariamente nos espaços de tráfego da capital federal.
O ônibus, já contando com quase uma década de uso, é uma evidência da falta de investimento por parte das empresas, onde veículos velhos e mal conservados tornam-se instrumentos potenciais de acidentes.
O poder público neste horroroso caso, representado aqui pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), se autoproclama diligente ao afirmar que apurará de quem é a responsabilidade da colisão entre o ônibus e o trem no SIA.
Se olharmos para trás, veremos uma história de promessas vazias e sem conclusão alguma.
Ninguém investiga nada, essa é a verdade e dão um jeitinho de colocar a culpa na parte mais fraca. Neste caso, no pobre e atarantado motorista.
A Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) que administra os trens de cargas que servem o Distrito Federal até agora não se pronunciou sobre o acidente.
A regulação e fiscalização do estado precisam ultrapassar o punitivo e avançar para prática, criando sistemas de segurança e regulamentação que antecedem a ocorrência de acidentes.
Esta não é uma questão isolada de trânsito ou transporte público e nem foi o único caso de trens se abalroando com carros em cruzamentos férreos no DF.
O acontecido de sexta-feira no SIA, é um reflexo da cultura de negligência entre trens, carros e o poder público em relação aos espaços de tráfego de Brasília.
Esta coluna conversou com o especialista em gestão de trânsito e transporte com mais de 20 anos de experiência, atuando no Sistema Nacional de Trânsito e ex-secretário de Gestão de Transporte do Estado do Maranhão, eng. Francisco Soares.
Segundo o especialista, o desastre ocorrido no SIA decorre principalmente da existência de uma passagem ao nível no cruzamento da via permanente da FCA num ponto com múltiplos conflitos intramodal e intermodal.
O ponto da colisão é um ponto inaceitável de cruzamento, pois a via permanente do trem corta uma rotatória rodoviária que já tem seus conflitos geométricos entre os automóveis circulantes, além dos problemas de interrupção abrupta de fluxo veicular motivados por congestionamento e outros fatores internos e externos ao sistema de trânsito.
Para Francisco Soares a responsabilidade da ferrovia FCA é objetiva e um possível erro do condutor do ônibus não afasta tal responsabilidade, pois a concessionária da ferrovia ao aceitar operar com esse cruzamento viciado aceitou as consequências de possíveis colisões.
Resta à CFA processar regressivamente a ANTT que aceitou que o órgão rodoviário do DF implantasse uma rotatória no meio de uma via-férrea.
A solução agora é interditar o trecho rodoviário ou implantar uma faixa segregada para a passagem ferroviária nesse local.
Apesar da visão técnica do especialista procurado pelo Radar DF, não se tem notícias de que o corrido passe por um debate mais profundo sobre o tema.
Pelo andar da carruagem, como sempre, será mais um simples registro por trás de pessoas feridas e um cadáver sobre trilhos.
*Toni Duarte é Jornalista e editor do Radar-DF, com experiência em análises de tendências políticas e comportamento social da capital federal. Siga o #radarDF