Outubro não é uma campanha bonita. É um pacto. O câncer não escolhe idade, cor, CEP, religião ou profissão. E quando chega tarde, ele rouba projetos, famílias e futuros.
Por isso escrevo para pedir algo muito simples e muito sério. Transformar consciência em rotina de cuidado, informação em decisão e direito em acesso real.
No Brasil, o câncer de mama segue como o tumor que mais atinge e mata mulheres. Para 2025, o INCA projeta mais de 73 mil novos casos.
Em 2023, passamos de 20 mil mortes. Por trás desses números há uma verdade que não pode ser relativizada. Diagnóstico precoce salva vidas e desigualdade mata silenciosamente.
Precisamos garantir o caminho rápido do primeiro sinal ao exame, do exame ao laudo, do laudo ao tratamento dentro do prazo legal. Isso não é favor. É lei e é civilidade.
O câncer de mama não é um tema que pertence apenas ao universo feminino. É um problema social e de saúde pública que exige compromisso coletivo.
O número crescente de diagnósticos em mulheres jovens mostra que o risco é real para todas as idades. E se os índices de mortalidade permanecem altos é porque a desigualdade ainda define quem vive e quem morre.
A cada dia perdido entre a suspeita e o início do tratamento, a chance de cura diminui. É preciso agir com urgência, oferecer acesso digno à mamografia e garantir que nenhuma mulher fique presa nas filas do sistema de saúde.
A prevenção deve estar onde as mulheres estão, nas comunidades, nas empresas, nas escolas, nas redes de apoio.
Outubro Rosa hoje é maior do que a mama. Também é compromisso com a eliminação do câncer do colo do útero, uma doença evitável e ainda assim responsável por milhares de novos casos anuais no país.
O INCA estima 17 mil diagnósticos por ano no triênio 2023 a 2025, com incidência mais alta justamente onde o acesso é mais difícil. É inaceitável.
A ciência já nos deu o mapa. Vacinar contra HPV, rastrear com teste de alto desempenho e tratar sem demora.
É assim que o mundo caminha para eliminar este câncer, meta pactuada pela Organização Mundial da Saúde com objetivos 90, 70 e 90 até 2030.
Em Brasília, no início deste mês, reunimos lideranças do poder público, organismos internacionais, especialistas e sociedade civil no encontro Educação, Saúde e Sociedade Civil contra o Câncer do Colo do Útero, articulado pela Aliança Nacional pela Eliminação do Câncer do Colo do Útero, com condução do Instituto Vencer o Câncer e do Grupo Mulheres do Brasil. Saímos com uma diretriz inequívoca.
Ampliar imediatamente a vacinação e organizar fluxos de rastreamento e diagnóstico para que nenhuma mulher fique para trás.
Vacina é política de proteção coletiva. O Brasil avançou e já superou a média global na cobertura entre meninas de 9 a 14 anos, e aumentou de forma consistente entre meninos. Mas ainda há milhões de adolescentes de 15 a 19 anos com esquema atrasado.
Precisamos buscá-los nominalmente, nas escolas e nos territórios. A vacina de HPV não é tema controverso. É prevenção contra câncer de colo do útero, de orofaringe, de ânus e de pênis. É política pública baseada em evidência.
Também precisamos cobrar coerência institucional. Desde 2018, o Outubro Rosa é política de Estado no Brasil, com obrigações de informação, educação e cuidado. A lei dos 60 dias garante início de tratamento no Sistema Único de Saúde em prazo definido, e normas complementares preveem acesso rápido à confirmação diagnóstica. Lei não salva sozinha, mas salva quando é cumprida. Nosso papel é fiscalizar, apoiar e cobrar.
Toda mulher com 50 a 69 anos deve realizar mamografia de rastreamento a cada dois anos. Mulheres fora dessa faixa, com sinais, sintomas ou alto risco, precisam ser avaliadas sem demora.
A regra é simples. Sentiu algo, procure um serviço de saúde. Não espere. Meninas e meninos devem ser vacinados contra HPV no tempo certo. Para quem perdeu, há estratégia de resgate para 15 a 19 anos, e a escola é o melhor lugar para recuperar cobertura. Municípios e estados devem garantir caminho contínuo com unidade básica preparada, agenda de exames, laudo em tempo hábil, biópsia quando indicada e início de tratamento dentro do prazo legal. Transparência de filas e resultados é obrigação pública.
Escrevo como gestora e como cidadã que acompanha mulheres todos os dias. Vejo o medo, o cansaço e a culpa que não deveria existir. E vejo a força.
Quando a informação chega, o acesso acontece e o cuidado vira hábito, a curva se move. Outubro não é uma cor. É um verbo. Prevenir, vacinar, rastrear, tratar, acompanhar, publicar resultados e repetir.
O Grupo Mulheres do Brasil seguirá abrindo portas, aproximando ciência das pessoas e pessoas dos serviços. Nosso convite é direto.
Se você é gestora, ajuste fluxos. Se você é profissional de saúde, olhe e escute com atenção. Se você é educadora, fale sobre HPV na escola. Se você é mãe, pai, tia ou avó, leve as crianças e adolescentes para vacinar. Se você é mulher adulta, marque seus exames. E se você lidera alguma instituição, some esforços a esta rede.
Outubro é o mês em que lembramos. O resto do ano é quando salvamos.
*Janete Vaz, presidente do Grupo Mulheres do Brasil, Núcleo Brasília