Catulo da Paixão Cearense, em Um boêmio no céu, desabafou: “Um frêmito de horror sacode a Terra! Finalmente, Senhor, pesa dizê-lo. O mundo de hoje é um arsenal de guerra”.
Falava do século XX — o mesmo ao qual se refere Hannah Arendt em seu livro Homens em tempos sombrios, expressão que extraiu do poema “À posteridade”, de Bertolt Brecht, para dar nome à “primeira metade do século XX, com suas catástrofes políticas, seus desastres morais e seu surpreendente desenvolvimento das artes e ciências”.
Mas reconhece: “Os tempos sombrios […] não só não são novos, como não constituem uma raridade na história …”.
A história é plena de violência. O mundo sempre foi o arsenal citado por Catulo. Apenas aperfeiçoou suas armas — do arco e flecha à bomba atômica, das armas químicas aos drones explosivos, mísseis e ogivas nucleares – e os riscos assumiram nova dimensão.
Os “tempos sombrios” do livro de Arendt expressam a recorrência de períodos em que a verdade é distorcida, o discurso público se degrada e a responsabilidade individual é substituída pelo medo, pela obediência cega ou pelo conformismo.
A violência, a guerra, a ambição de poder, o egoísmo e a dominação são elementos constantes da história. A diferença está na visibilidade.
Com o avanço dos meios de comunicação e o acesso instantâneo à informação, há uma sensação de que o mundo se tornou mais cruel e caótico. Não é verdade. O que se vê agora — em tempo real e em escala global — sempre existiu, ainda que antes encoberto ou distante dos olhos do público.
Enquanto Arendt enfatiza a responsabilidade individual, Yuval Noah Harari, em seu livro Nexus, volta-se às consequências globais, às tensões internacionais e à crise existencial a que “a humanidade se arrastou” porque o poder conquistado não equivaleu à sabedoria, e a “criação de novas tecnologias, como a inteligência artificial (IA), […] podem escapar de nosso controle e nos escravizar ou nos aniquilar.”
Não são, porém, as conquistas tecnológicas que possuem poder destrutivo. É o ser humano. Tanto que Harari admite: “Estamos à beira da catástrofe ambiental, causada pelo mau uso do nosso próprio poder.”
Afinal, é o homem quem elabora e põe em prática projetos, ideias e mecanismos sofisticados — do misticismo religioso às ideologias, das formas de governo aos regimes políticos — que acabam sendo instrumentos de dominação sanguinária.
Independentemente de sua forma, quem faz a diferença é sempre o ser humano. Tanto que foram os “tempos sombrios” que ensejaram à Declaração Universal dos Direitos do Homem advertir, em seu Preâmbulo: é “essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão”.
A história tem sido permeada por esses fenômenos. Nunca por paz duradoura. Albert Einstein, em Como vejo o mundo, de 1953, foi claro: as nações “concebem e executam os planos mais detestáveis. Precipitam-se para a guerra. Mas hoje, a guerra se chama o aniquilamento da humanidade.”
*Carlos Nina é jornalista maranhense, advogado, ex-presidente da OAB-MA e ex-conselheiro federal da OAB.