Nos últimos dias, tenho sido pressionado por todos os lados. De um lado, amigos próximos ligados ao bolsonarismo me acusam de estar lutando pela censura, de querer calar vozes e favorecer “controle comunista”.
Do outro, setores da esquerda se incomodam com minhas críticas ao voluntarismo autoritário do governo Lula ao afirmar, sem pudor, que a regulamentação das redes sociais e da inteligência artificial será feita “na marra” — inclusive com consultoria de um representante da ditadura chinesa.
E há ainda os que dizem que enlouqueci: que ora ataco um lado, ora ataco o outro. Dizem que estou confuso. Que estou contraditório.
Deixem-me ser cristalino: meu posicionamento é absolutamente linear. O que me move é a defesa da democracia. E é justamente por isso que escrevo este artigo — para tentar separar os homens dos meninos.
A inteligência artificial — especialmente a preditiva e a generativa — não pode mais ser tratada como bandeira ideológica. Muito menos como brinquedo de guerra cultural.
Estamos diante de um problema real, sistêmico, complexo, urgente. E a forma como as lideranças políticas estão lidando com ele é, ao mesmo tempo, irresponsável e infantil.
Sou sociólogo e marqueteiro político. Estou na trincheira da comunicação política há 37 anos.
Trabalho com IA em campanhas eleitorais desde 2018. E digo com toda autoridade: a IA preditiva transformou a política para sempre. Ela prevê comportamentos, antecipa reações, identifica emoções ocultas.
E quando aliada à IA generativa — que cria vídeos, discursos, imagens e vozes falsas sob demanda — temos a máquina de manipulação mais poderosa da história da humanidade. Um sistema que não apenas influencia: ele molda, condiciona e programa a opinião pública.
Esta semana, presenciamos as duas maiores pérolas do ano nesse debate. De um lado, Jair Bolsonaro realiza um evento e afirma, com entusiasmo, que o PL continuará usando IA e que toda a militância deve contribuir — posicionando o partido, sem vergonha, como aliado das Big Techs.
De outro, Lula declara que virá um chinês para “regulamentar na marra” as redes e as tecnologias no Brasil, em um discurso autoritário, desconectado do espírito democrático e com ecos de censura.
Ambos estão profundamente equivocados. Ambos tratam o tema como ferramenta de poder. Nenhum deles demonstra compreender a complexidade e o risco envolvido.
E o Congresso? Dorme. O PL das Fake News (2630/2020) foi triturado pela polarização. O PL da IA (2338/2023) está sendo sabotado por lobbies que querem tirar justamente as redes sociais, os sistemas de recomendação e os algoritmos de moderação da categoria de alto risco.
É como excluir armas nucleares de um tratado de não proliferação porque “dão lucro demais para serem fiscalizadas”.
Mas há um movimento em curso que merece atenção e apoio. O presidente da Câmara dos Deputados finalmente esboça uma reação sensata, republicana e alinhada com o espírito democrático. É ali, hoje, que repousam todas as minhas esperanças.
Se alguém ainda pode conduzir esse debate com equilíbrio, altivez institucional e responsabilidade histórica, é este jovem presidente do Legislativo, Deputado Hugo Mota.
Cabe a todos nós — sociedade civil, instituições, juristas, técnicos, comunicadores — apoiarmos com todas as forças qualquer iniciativa sua que vise proteger o Brasil da irresponsabilidade dos extremos. Especialmente daqueles que não sabem brincar. E como diz a regra que vale para todos os tempos: quem não sabe brincar, não pode descer para o playground.
A polarização funciona como cortina de fumaça. Enquanto direita e esquerda se atacam em público, os algoritmos fazem o trabalho silencioso de moldar consciências, influenciar votos e reconfigurar a esfera pública. Não há liberdade onde há manipulação invisível. E não há escolha democrática quando os dados decidem antes do cidadão.
Meu compromisso não é com partido ou linhas “ideológicas”. É com princípios. A inteligência artificial precisa ser regulamentada de forma equilibrada, democrática, técnica e transparente. Nem censura autoritária, nem laissez-faire cínico. O que está em jogo não é a liberdade de expressão — é a integridade da democracia.
É hora de parar de brincar. É hora de tratar esse assunto com a seriedade que ele exige. Não como arma eleitoral. Mas como urgência civilizatória.
*Marcelo Senise – Presidente do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulamentação da Inteligência Artificial. Sócio Fundador da Social Play e CEO da CONECT I.A. Sociólogo e marqueteiro político, atua há 37 anos na área política e eleitoral. Especialista em comportamento humano, informação e contrainformação, é precursor no uso de sistemas de análise em redes emergentes e inteligência artificial.
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