Radar/Opinião

Marcelo Senise
Marcelo Senise
Sociólogo, Marqueteiro e especialista em Comportamento Humano
O ASSUNTO É

Brasil em risco: entre a omissão, o excesso e a censura

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O Brasil está à beira de um ponto de inflexão perigoso em sua história democrática.

A discussão sobre a regulamentação das redes sociais, embora necessária, está sendo
conduzida por três caminhos profundamente equivocados que, juntos, ameaçam não
só a liberdade de expressão, mas a própria arquitetura de equilíbrio entre os poderes
da República.

O primeiro grande equívoco parte do Executivo, que, sob o discurso de “combate à
desinformação”, vem ensaiando um projeto de lei com contornos evidentes de censura.
O presidente da República, após visita recente à China – onde o controle estatal sobre a internet é absoluto e serve à repressão política –, voltou ao Brasil animado com a ideia de atribuir poderes excepcionais a órgãos como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Tal proposta não apenas distorce a natureza da ANPD, concebida para proteger o cidadão e não para policiar opiniões, como abre uma porta perigosa para a criação de estruturas de vigilância e silenciamento institucionalizados.

Essa regulamentação não propõe um marco legal equilibrado, mas sim a fundação de um sistema de controle informacional com forte viés ideológico e autoritário. Não se trata de paranoia. A criação de instrumentos legais com poderes para suprimir conteúdos, bloquear plataformas ou censurar postagens não representa avanço civilizatório, mas um retrocesso democrático.

O uso de conceitos vagos como " desinformação" e "conteúdo nocivo" abre margem para interpretações subjetivas, seletivas e, pior, politizadas.
Qualquer legislação que permita ao Estado definir o que é verdade e o que deve ser silenciado, em nome de uma suposta “proteção”, está, de fato, estabelecendo um sistema de censura. E censura, no Brasil, é vedada pela Constituição de 1988.

O que o Executivo propõe é, portanto, não só equivocado, mas inconstitucional. O segundo equívoco, mais silencioso e, por isso, talvez mais grave, é a omissão do Congresso Nacional.

O Parlamento, que detém a prerrogativa exclusiva de legislar sobre temas sensíveis como este, permanece paralisado, refém do medo do desgaste político ou da incapacidade de liderar um debate maduro e técnico.

A ausência de protagonismo do Legislativo cede espaço a interpretações arbitrárias e a medidas unilaterais dos demais poderes. Em vez de convocar audiências públicas amplas, ouvir especialistas, incluir a sociedade civil e propor um marco legal verdadeiramente democrático, o Congresso tem assistido inerte à erosão de sua autoridade. A omissão do Parlamento é um desserviço à República e um empurrão à desordem institucional.

Por fim, o terceiro equívoco é o ativismo do Poder Judiciário, que, diante do vácuo legislativo, vem assumindo uma postura regulatória que ultrapassa seus limites constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal e, em especial, ministros isoladamente, têm criado normas de fato, expedido ordens de bloqueio de perfis, remoção de conteúdos e, em alguns casos, até censura prévia – sem base legal clara, sem processo legislativo e sem controle social.

Embora muitos desses atos sejam justificados sob a ótica da “proteção da democracia”, o efeito colateral é a fragilização das garantias fundamentais e o avanço perigoso de um Judiciário que legisla, executa e julga, ao mesmo tempo. Este quadro revela um desequilíbrio estrutural: o Executivo tenta controlar; o Legislativo se omite; e o Judiciário legisla por via oblíqua.

Nenhum desses movimentos contribui para a construção de um ambiente digital saudável, plural e livre. Ao contrário, a conjunção desses três erros coloca em risco o sistema de freios e contrapesos que deveria sustentar nossa democracia.

O debate sobre a regulamentação das redes sociais é legítimo, necessário e urgente. Mas ele deve ser conduzido sob os princípios da legalidade, da liberdade, da transparência e da pluralidade democrática.

O marco legal que eventualmente venha a reger o ecossistema digital deve ser fruto de diálogo social, técnico e institucional amplo, com a participação ativa do Parlamento, da sociedade civil, da academia, do setor privado e dos cidadãos.

Ou o Brasil desperta agora, ou acordará tarde demais em um país onde a verdade será determinada por decreto, a crítica será crime e o silêncio, uma obrigação. A liberdade de expressão é o último bastião da democracia – e se ela cair, tudo o mais ruirá junto.

Ainda há tempo de resistir. Mas não haverá desculpas se cruzarmos os braços diante da censura vestida de lei.

*Marcelo SenisePresidente do IRIA – Instituto Brasileiro para a Regulação da
Inteligência Artificial, Sócio Fundador da Social Play e CEO da CONECT I.A, Sociólogo e
Marqueteiro, atua há 37 anos na área política e eleitoral, especialista em comportamento humano, e em informação e contrainformação, precursor do sistema de análise em sistemas emergentes e Inteligência Artificial. Twitter: @SeniseBSB / Instagram: @marcelosenise

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