Tainan Pimentel*/Correio Braziliense
Um vídeo postado por um sargento da Polícia Militar do DF em seu Facebook chamou a atenção de usuários da rede social na semana passada. Nas imagens, o PM aparece em uma operação de derrubada de invasões e relata a dificuldade da missão. O diferencial está no fato de o militar já ter morado em uma ocupação irregular e se compadecer das pessoas que vivem em invasões DF afora. O vídeo já teve quase 10 mil visualizações, quase 200 compartilhamentos e centenas de comentários.
operação que aparece no vídeo fica no Setor de Inflamáveis (SIN) e aconteceu na segunda-feira da semana passada. Nas gravações, Aderivaldo Cardoso, de 39 anos, apresenta o local, explica o trabalho e relata a dificuldade de lidar com a situação, exatamente por já ter estado do outro lado dessa história. “Hoje fui escalado para uma missão dificílima. Derrubada de barracos sempre mexe comigo porque remonta a minha infância”, descreve. Em entrevista ao Correio, o policial detalhou sua história de vida.
O início
Aderivaldo conta que nasceu em Tocantins e que se mudou para o DF quando tinha menos de 2 anos de idade, acompanhado dos pais e do irmão mais novo. Ao chegar, relata que alugaram uma casa de fundos na Vila Dimas, em Taguatinga, que foi negociada por uma tia. O pai foi trabalhar como vigilante de uma prestadora da Terracap, mas foi demitido meses depois, ficando sem dinheiro para custear o aluguel e tendo que improvisar um novo lar para família.
“Fomos, então, para uma área onde hoje é a Vila Telebrasília. Improvisamos uma casa com madeira que pegávamos de eucaliptos próximos ao atual zoológico e o teto era feito com papelão revestido de piche”, descreve.
“Quando fazia muito calor, o piche derretia. Quando chovia, o telhado voava. Eu era muito novo e ficava rezando e imaginando o que seria da gente”, detalha.
Ele descreve que na época, a área tinha muito mato e várias famílias. A energia elétrica vinha de captação ilegal e a água, de poço artesiano. Os primeiros anos no local, segundo o policial, foram tranquilos. “O governo ainda não dava muita atenção ao local. O foco era o Plano Piloto”, explica. “Mas depois de algum tempo, quando mudou de governo, os fiscais começaram a aparecer”, declara.
As lembranças da época, segundo ele, não são muitas. Mas o pouco que restou, descrevem um verdadeiro cenário de guerra. “Muita correria, medo, gente chorando, gritando, enfrentando policial. Eles chegavam com máquinas e derrubavam tudo. Faziam chacota com a minha mãe. Era muito triste”, relembra. Outra lembrança que o tempo não apagou foi da derrubada da casa onde Aderivaldo morava com os pais. “Derrubaram parte da casa e ficamos sem teto. Não sabíamos o que fazer e nem tínhamos outro lugar para ir. Meu pai teve que reconstruir o que havia sido demolido”, acrescenta.
A bonança
Aderivaldo conta que depois de algum tempo — o policial tem dificuldades para precisar datas por causa dos anos — o governo passou a cadastrar as famílias que moravam na invasão para transferi-las para outros endereços. A família do policial, que havia aumentado de quatro para seis pessoas após duas gestações da mãe nesse período, foi cadastrada e, tempos depois, levada para o Riacho Fundo, onde foi alocada em um galpão junto com outras famílias que estavam na mesma situação. Em poucos dias, eles se mudaram para uma casa improvisada pelo pai de Aderivaldo que, aos poucos, construiu uma segunda, mais confortável. “Em relação aos dias de hoje, não era nada confortável. Mas em relação a nossa antiga moradia, era bem mais”, detalha.
Trinta anos depois, a situação da família e do policial melhorou. Os pais continuam no Riacho Fundo e os irmãos ingressaram no ensino superior. Aderivaldo foi aprovado no concurso da PMDF, tem pós-graduação, casou-se, teve duas filhas e hoje mora em uma casa própria, em Ceilândia, bem diferente da realidade que viveu quando chegou na capital do país. “Graças a Deus”, agradece.
A profissão
Em sete anos de profissão, o policial conta que já atuou em quatro operações de derrubada de invasão. Diz que os policiais costumam ser recebidos pelas famílias com hostilidade e que ele sempre se lembra de relatar sua história de vida aos moradores, na tentativa de sensibilizá-los. Aderivaldo critica a atual política de derrubadas e de habitação e diz que as exigências para aquisição de uma casa popular deixam de fora as famílias mais pobres. “Eles falam [os moradores] ‘ vocês podem derrubar, que a gente constrói de novo’”, conta. “As famílias dali não têm condições de pagar o que é pedido num financiamento de casa popular. Algumas delas vivem com menos de um salário mínimo. E díficil”, conta.
A operação que o levou ao fazer o desabafo na internet, segundo Aderivaldo, foi a mais difícil da sua carreira. Um fato em especial, segundo ele, contribuiu para isso. “Um garoto chegou agressivo e eu me vi naquele menino, voltando ao passado. Conversei com ele e contei minha história, com a esperança de que minha trajetória pudesse servir de inspiração para quem sabe, um dia, ele sair daquela realidade”, finalizou.
VEJA VÍDEO:
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Postado por Radar
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