No último dia 06 de dezembro, os representantes do Mercosul e da União Europeia (UE), reunidos em Montevideu, no Uruguai, anunciaram a conclusão das negociações sobre o Acordo de Parceria MERCOSUL-UE.Desde então, uma espécie de “otimismo de Poliana” pareceu se espraiar por diversos setores da sociedade brasileira, os quais não perderam a oportunidade de ressaltar os potenciais ganhos comerciais do Brasilcom o acerto.
Contudo, a avaliação de seus efeitos sobre nosso país não pode ser dissociada das consequências de longo prazo sobre a estrutura produtiva nacional.
De fato, o acordo promoverá ganhos comerciais e de investimento, conforme estimativas de estudo publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em janeiro de 2024.
De acordo com o documento, o Brasil terá um incremento no seu Produto Interno Bruto de pouco mais de 9 bilhões de dólares entre 2024 e 2040 e um aumento nos investimentos em cerca de1,49% comparativamente às cifras que teria sem a implementação do acordo.
As cotas de exportação e a eliminação tarifária mútua em diversos setores, previstas pelo acordo, tendem a reforçar o papel central que as exportações e o setor primários possuem na economia brasileira, porquanto o padrão do intercâmbio comercial entre Brasil e Europa é caracterizado pela venda de produtos agrícolas e de baixo incremento tecnológico pelos brasileiros e pela compra de produtos de maior valor agregado dos parceiros europeus.
De acordo com o mesmo estudo do Ipea, a tendência é que o aumento das exportações brasileiras seja concentrada em carnes de suíno, aves, pescados, óleos, gorduras vegetais e gado.
Quando se trata da indústria de transformação, o Brasil obteria ganhos naqueles setores de baixo nível tecnológico, como calçados e artefatos de couros, celulose e papel, além de outros ramos da indústria têxtil.
As importações do Brasil, por outro lado,concentrar-se-iam cada vez maisem máquinas e equipamentos, químicos, farmacêuticos, produtos eletrônicos e equipamentos elétricos. Nesse contexto, a manutenção dos saldos positivos da balança comercial brasileira para com a Europa ficaria cada vez mais dependente dos ciclos internacionais de commodities, os quais impulsionariam os ganhos decorrentes das exportações de primários.
A implementação do acordo tampouco apresenta ganhos potenciaispara o setor industrial brasileiro.Desde os anos 1990, o Brasil experimenta níveis cada vez mais altos de liberalização comercial.
Concomitantemente a esse processo, observamos a degradação da indústria nacional e a perda de seu impulso tecnológicofrente a competidores industriais fortemente subsidiados e altamente produtivos, dentre os quais se encontram muitos países europeus, como a Alemanha.
O acordo a ser adotado não altera a tendência de degradação industrial. Pelo contrário, fortalece-a por meio da consolidação de termos de intercâmbio desiguais.
Mesmo a projeção de aumento de investimentos em nosso país não é animadora.
Em primeiro lugar, porque não se configura como uma cifra relevante para um impulso reindustrializante. Em segundo, porque investimentos estrangeiros seriam enquadrados numa lógica não de favorecimento da estrutura produtiva nacional, mas dos interesses das companhias aqui instaladas.
Em terceiro lugar, o Brasil já é um dos principais atrativos de investimentos estrangeiros diretos de empresas europeias e, conforme apresentado em estudo publicado ainda em 2019 pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a condição de competitividade nacional em nada se alterou mesmo diante do incremento nos investimentos ao longo dos anos anteriores.
Em suma, com o acordo MERCOSUL-UE, o Brasil se engaja num compromisso internacional que fortalece ainda mais o processo de reprimarização da economia nacional, limita a diversificação dos parceiros comerciais (conforme explicado pelo estudo do Ipea) e que, em última instância, situa-se na contramão dos objetivos da política industrial lançada pelo governo Lula por meio do plano Nova Indústria Brasil.
Resta saber se o impulso promovido pelo atual governo para a conclusão das negociações é fruto de uma absoluta incompreensão acerca de seus efeitos de longo prazoou se a necessidade de afirmação política doméstica orientou e impulsionou os esforços governamentais para a conclusão do acordo.
*Caio Rafael Correa Braga é Internacionalista. Pesquisador na Amarante Consulting. Morou e estudou na França, Itália e Alemanha. Atualmente encontra-se em Berlim e é articulista do Radar DF