Em 1990, Brasília viveu uma das campanhas eleitorais mais folclóricas de sua história, marcada por discursos inflamados e personagens que entrariam definitivamente para o imaginário popular do Distrito Federal.
A disputa era entre Joaquim Roriz, candidato pelo então PTR, que disputava o primeiro governo eleito diretamente pelo voto popular contra Carlos Saraiva (PT), Maurício Corrêa (PDT) e o ex-governador biônico Elmo Serejo Farias, nomeado por Ernesto Geisel em 1974. Roriz venceu.
Para satirizar a mania de Elmo Serejo de se atribuir o mérito de todas as obras no Distrito Federal, independentemente de quem as tivesse realizado, a campanha de Roriz criou o personagem “Santelmo Urubulino”.
Um político fictício que olhava para o céu e exclamava: “Olha lá a lua, fui eu que fiz!”. A sátira pegou, Elmo virou piada nacional, ficou em quarto lugar e ganhou o apelido eterno de “Santelmo Urubulino”.
Na época, um jovem aliado de Roriz, José Roberto Arruda, participou ativamente da campanha e ajudou a popularizar o personagem.
Mal sabíamos que, décadas depois, Arruda incorporaria o “espírito” de Santelmo Urubulino de forma ainda mais grandiosa, não como piada, mas como estratégia política.
Hoje, em plena pré-campanha para o Palácio do Buriti, o inelegível ex-governador Arruda, recentemente filiado ao PSD, apesar das incertezas jurídicas sobre sua elegibilidade, vem dando uma de “Surper Saltemo“.
Não basta mais reivindicar obras alheias; agora, ele afirma ter “deixado tudo pronto” para que sucessores concluíssem o que, na narrativa dele, já estava quase feito.
Exemplos não faltam. Arruda gosta de citar as obras do metrô, realizadas por Joaquim Roriz, como parte de sua “herança”.
Fala em centenas de escolas de tempo integral construídas em seu mandato cheio de infortúnios, mas muitos brasilienses ainda procuram onde elas ficam, ou questionam se os números batem com a realidade.
Há ainda os casos clássicos de fracassos convenientemente esquecidos, como o chamado shopping popular, que acabou se transformando em um espaço abandonado e mal-assombrado.
Somam-se a ele os Postos Comunitários de Segurança (PCS), contêineres minúsculos apelidados de “micro-ondas” pelos próprios policiais, em razão do calor insuportável, do desconforto e da ineficácia prática.
O que começou como uma sátira inteligente contra Elmo Serejo acabou se transformando, ironicamente, em uma marca registrada de Arruda.
Enquanto Elmo era o “rei das obras que nunca fez”, Arruda se posiciona como o “arquiteto das obras alheias”.
A política brasiliense, sempre rica em folclore, nos ensina uma lição amarga: narrativas muitas vezes superam fatos.
Santelmo Urubulino foi uma criação genial para ridicularizar a apropriação indevida de méritos. Arruda, ao incorporá-lo em versão turbinada, transforma a sátira em autocaricatura, acreditando que a plateia esquece fácil.
Falta-lhe apenas assumir o bordão de Justo Veríssimo: obras imaginárias, méritos alheios e, se não colar, paciência, “o povo que se exploda”.



