Sabemos que a mídia tem o poder de colocar em voga muitos temas os quais ganham o status de modinha. Contudo, no caso da violência contra as mulheres, acredito que a “modinha” possa ser um forte aliado, senão no combate, ao menos na conscientização desse tipo de agressão, especialmente quando, pautadas em uma cultura marcantemente machista, muitas reações em defesa dessas vítimas são preteridas, espantosamente, pela própria parcela da população atingida: as mulheres.
*Por Nádia Rodrigues
penas para exemplificar a gravidade da questão e a forma como ela é tratada na sociedade, segundo informações do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, até junho de 2014, 2.439 homens estavam presos por crime de violência doméstica. Enquanto no mesmo ano de 2014, 52.957 mulheres denunciaram casos de violência (física, psicológica, moral, sexual, etc.). Isso significa dizer que naquele ano, até junho de 2014, apenas 4,60% das denúncias resultaram em pena restritiva ao agressor. Os outros 95,4% resultaram em algum tipo de medida sócio-educativa (cesta básica, prestação de serviços à comunidade, etc.) ou, até mesmo, em arquivamento das denúncias, seja por ausência de provas, desistência da vítima, etc.
Em um vídeo de experiência social do canal BaroneTV, disponibilizado no Youtube, simulou-se uma agressão contra mulher e das aproximadamente 70 pessoas que presenciaram a cena, apenas 5 tomaram alguma atitude e, dentre essas 5, apenas 1 socorreu a vítima.
Os dados acima são alarmantes e nos fazem refletir sobre o tema, especialmente quando a “Lei Maria da Penha” é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher.
Além da ausência de conscientização da sociedade, o que faz com que esse combate seja desestimulado é, especialmente, a forma como a vítima é tratada. Segundo Silvia Chakian, Promotora de Justiça e coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (GEVID), do Ministério Público do Estado de São Paulo, “às vezes, o processo de denunciar acaba sendo mais violento para essas mulheres do que a própria violência. […] Os agentes públicos – da polícia e até do judiciário – são membros de uma sociedade machista. E reproduzem esses estereótipos às vezes no atendimento dessas mulheres. Falta uma capacitação desses agentes. Muitas vezes, eles fazem perguntas absurdas de busca de detalhes que é impossível elas recordarem. É um tipo de violência que há um mecanismo psicológico de querer esquecer, querer apagar. E eles tratam essa mulher como se ela não fosse digna de crédito. Ela acaba tendo a responsabilidade de provar que não está ali mentindo.”
Superada a dificuldade de fazer uma denúncia, a mulher vítima de violência precisa passar por outro processo complexo: o de conseguir comprovar o crime. E por que essa dificuldade? Provavelmente porque ainda está enraizada em nossa cultura que violência é apenas aquela que deixa marca, a exemplo da violência física. Por ser mais fácil de ser percebida é comprovada.
Contudo, existem outros tipos de violência que não deixam vestígios na pele mas marcam significativamente a vítima, a exemplo da violência psicológica, violência moral, violência patrimonial e, não menos importante, a tão polêmica violência sexual. Sendo que as violências aqui listadas, a exceção talvez da violência sexual, raramente são temas de campanhas de conscientização.
Assim, em que pese termos uma legislação reconhecidamente exemplar no que compete ao combate da violência, esbarramos no preconceito, no silêncio, na falta de capacitação, na ausência de informação, na transformação da vítima em algoz, na ausência de consciência da própria parcela atingida por esse tipo de violência que, de repente, a “modinha” do tema seja louvável.
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