Desde que assumiu a presidência da Academia Maranhense de Letras Jurídicas, o advogado Júlio Moreira Gomes Filho tem feito uma administração atuante naquele sodalício, mesmo atravessando os difíceis tempos da pandemia no início dos anos 2020.
Estimulou a produção literária de seus membros, lançou uma alentada edição da revista da AMLJ, divulgou a Academia fazendo-se presente em eventos de diversas instituições e, em parceria com outras ou isoladamente, promoveu eventos culturais, além da eleição e posse de novos acadêmicos.
Abriu espaços virtuais (mídias sociais) para a AMLJ. Conquistou para a Instituição a condição de entidade de interesse público, nos âmbitos municipal, em 2021, e estadual, em 2023. E já está prestes a lançar mais uma edição da revista da Academia.
No começo de 2023, a AMLJ firmou Termo de Cooperação Técnica com a Defensoria Pública do Estado do Maranhão, do qual resultou um projeto de significativa importância social: Concurso Literário de Poemas “Bicentenário Gonçalves Dias”, cujo edital (Nº 001/2023 – ESDPEMA) previa que o certame se destinava “a fomentar a produção escrita com foco na cultura e no gênero literário em forma de poema, contribuindo para a reinserção de mulheres internas do sistema prisional maranhense”, restringindo a participação às mulheres desse universo.
O Edital Nº 001/2023 – ESDPEMA, assinado dia 14 de agosto de 2023 pela Diretora da Escola Superior da Defensoria Pública do Maranhão, Dra. Elainne Alves do Rêgo Barros Monteiro, esclarece que se trata de concurso literário promovido pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão, pela Academia Maranhense de Letras Jurídicas e pela Secretaria de Administração Penitenciária do Maranhão, com apoio do Centro Universitário UNDB, e “faz parte das comemorações do bicentenário de nascimento de Antônio Gonçalves Dias, poeta, advogado, jornalista, etnógrafo e teatrólogo maranhense.”
O tema, portanto, previsto no Edital é “Justiça” e suas “correlações em alusão à vida e legado do homenageado”. Distinguido pelo presidente da AMLJ, Júlio Moreira Filho, para integrar a Comissão Julgadora do Concurso, nas honrosas companhias dos escritores Desembargador Lourival Serejo e Ministro Reynaldo Fonseca, ambos membros da AMLJ, tive a oportunidade de ler os poemas concorrentes, escritos por mulheres privadas de sua liberdade de ir e vir, mas que souberam usar a criatividade de suas mentes para viajar no espaço – saindo dos limites físicos de onde se encontravam – para os lugares onde nasceu e andou Gonçalves Dias – e no tempo, voltando à época do autor de Canto do Piaga e pensando com esperança no próprio futuro, como disse uma delas, no penúltimo verso de seu poema, parafraseando a Canção do Exílio: “Não permita, Deus, que eu morra aqui, sem que volte para casa.”
No dever de tão desafiadora missão, tive o cuidado de ler verso a verso cada um dos 34 poemas, procurando dar-lhes uma classificação, conforme previsto no edital do concurso, para a escolha das que deveriam ser o primeiro, o segundo e o terceiro lugares.
Foi uma riquíssima experiência porque a circunstância limitadora a que estavam impostas as concorrentes inspiraram-lhes uma convergência inevitável para os valores de liberdade e (in)justiça; desabafos de dor, sofrimento, indignação e angústia, mas, também, alentos de humildade, esperança e amor, como se extrai de versos como: – “Todo dia acordo com uma grande esperança dentro de mim”; “Liberdade que demora, Mas um dia vai chegar”; “Do lado de cá tem mãe que chora, Do lado de lá tem filho que ora”; “Quero um novo recomeço, começar, Pois para o cárcere não quero mais voltar, Porque é ruim esse lugar. Quero pra sociedade voltar Pra construir um novo lar”; “As humilhações e a distância da família Cortam o coração, Mas com Deus a gente supera tudo”; “Se estou aqui, é para pagar os meus erros! Os meus filhos lá fora a me esperar, Será que um dia com eles estarei lá”; “O que é justiça? Se nesse Brasil só vemos injustiça. As mulheres são as que mais sofrem. Com essa desigualdade, a injustiça está em todo lugar”; “Mundão de ingratidão pra quem não tem profissão. Não sei se vou vencer, Mas vou lutar até morrer”, “Justiça vivemos no meio da corrupção, Direitos humanos só no papel”; “Como ser um cidadão que a sociedade quer Para um mundo melhorar se a justiça é a primeira a falhar”.
Independentemente, porém, da classificação a que foi compelida a Comissão, estão de parabéns cada uma das 34 participantes do concurso, pois todas foram vencedoras, pela superação de suas próprias circunstâncias e pela coragem de enfrentar um julgamento que haveria de ser feito sobre o que emergiu de suas almas, como sói acontecer aos poetas.
Parabéns, portanto, aos promotores e todos os que contribuíram para o concurso, que, com certeza, teve e terá benéfica repercussão na vida daquelas mulheres, quiçá de suas famílias e da própria comunidade, para a qual hão de voltar e reintegrar-se, vendo satisfeitos seus clamores.
É inevitável, diante da realidade que brota dos poemas, lembrar de Cleriston Pereira da Cunha, morto nas masmorras da injustiça, a quem foi negado tudo, pela prepotência impune com que aboliram todas as esperanças nas garantias constitucionais. Com certeza pensou como as autoras dos versos de esperança que ouvi (porque me ressoaram como vozes): “Só peço a Deus que permita Que eu volte para o meu lar, Com vida, para perto de minhas filhas”, ou “Não permita, Deus, que eu morra aqui, sem que volte para casa.”
O “deus” da maldade não permitiu. Reencarnado de Palermo, reconstruiu a procissão dos sentenciados da Inquisição, com a benção papal e aprovação do silêncio e da omissão daqueles a quem se referiu Luther King em memorável discurso.
Cleriston já não poderá voltar para suas filhas, nem mesmo para sua casa. Simplesmente porque, como disseram em versos as corajosas poetas: “Justiça vivemos no meio da corrupção, Direitos humanos só no papel”; “Como ser um cidadão que a sociedade quer Para um mundo melhorar se a justiça é a primeira a falhar”.
Que o verdadeiro Deus responda aos versos de uma delas: “Onde fica a Justiça? Onde posso buscar, Onde posso exercer Para que os meus direitos eu venha a ter!”
*Carlos Nina é Advogado e jornalista maranhense, ex-presidente da OAB-MA